Se a Escócia se tornar independente hoje, põe fim a 307 anos de união parlamentar que, na prática, significa fim de um governo comum, sem colocar fim aos 411 anos de união das coroas, algo que a maioria dos escocesas não quer. O país terá parlamento e governo soberanos, mas a rainha Elizabeth continuará chefe de Estado, a exemplo do Canadá, Jamaica e Austrália, dentre outros.
O país herdará 99% das reservas estimadas de petróleo, uma indústria turística de US$ 15 bilhões e outros US$ 7 bilhões em exportação de uísque. A situação parece tão confortável para os que querem a soberania que o manifesto pela independência se dá ao luxo de gastar páginas em detalhes como a continuidade de campeões de audiência como Doctor Who e EastEnders, produzidos pela BBC.
O ponto mais espinhoso será a moeda. Novos membros da União Europeia devem adotar o euro, mas a Escócia diz que permanecerá com a libra esterlina. Westminster diz que uma união monetária sem uma união fiscal e impensável. E de fato seria. Isso não impede, contudo, que a Escócia adote a libra a contragosto de Londres, desde que arque com os perigos inerentes a essa escolha. Os riscos são grandes, não é impossível. Andorra, Kosovo, Montenegro, Mônaco, San Marino, e até o Vaticano, que não são membros da União Europeia, adotem o euro. O Equador usa a moeda americana desde 2000 sem grandes problemas. Argentina tentou a mesma coisa e deu no que deu.
Se unionistas vencerem, a Escócia sai igualmente favorecida porque as promessas feitas nas últimas semanas pelos líderes dos três maiores partidos dará total autonomia a Edimburgo para legislar sobre assuntos internos. Constitucionalmente, o Reino, mesmo unido, será algo diferente do que foi até hoje, embora ninguém saiba ao certo o que será.
Além disso, na última segunda os mesmos três líderes reafirmaram a manutenção da fórmula Barnett, que estabelece a estrutura de repasses do governo central para a Escócia. Edimburgo poderá legislar por conta própria inclusive em questões tributárias, mas continuará recebendo repasses do governo central.
Independente do resultado, David Cameron sai perdendo. Embora a secessão represente a perda de 41 cadeiras trabalhistas em Westminster, o que daria a seu partido Conservador reais chances de formar um governo majoritário, ele se tornará o líder que não só autorizou o plebiscito, mas que permitiu Alex Salmond virar uma eleição invencível até maio.
Pior: prometeu para 2017 um plebiscito sobre a permanência do Reino na União Europeia. Embora queira manter-se na UE, esse será um plebiscito muito mais difícil de vencer. Se perder a Escócia, aumenta as chances de sair da União Europeia.
Já se os unionistas vencerem, ele terá de lidar com o custo econômico e político das promessas feitas na última hora para manter o Reino intacto. Dentro de seu próprio partido já sofre enormes críticas por tais promessas. Pior: ficará a sensação que apenas manteve a união graças a Gordon Brown, seu inimigo político mas principal voz entre unionistas escoceses, que há meses previa o crescimento dos separatistas e que se empenhou pessoalmente pela manutenção do Reino muito mais que Cameron.