“Justiça do CE anula 13 questões do Enem
A Justiça Federal no Ceará decidiu de forma liminar, na noite de ontem, anular 13 questões do Enem para estudantes de todo o país (...)
As questões anuladas estavam em apostilas entregues a alunos do colégio Christus, de Fortaleza, dias antes da realização da prova.
A decisão da Justiça cearense diz que a exposição antecipada fere ‘o princípio constitucional da isonomia e da segurança jurídica’.
Segundo o texto, não é possível saber se apenas os alunos do Christus tiveram acesso antecipado às questões. A decisão determina que a nota dos candidatos deverá ser calculada com base nas questões remanescentes e na redação (…)
A Polícia Federal descobriu que ao menos um caderno do pré-teste do Enem, com 48 questões, aplicado no colégio em outubro do ano passado, foi totalmente reproduzido nos simulados do Christus.”
O título da matéria diz que foi a justiça do Ceará, mas o primeiro parágrafo se refere à Justiça Federal no Ceará. Tem diferença? Tem. A Justiça do Ceará é a justiça estadual. Mas nos casos - como o do Enem – que envolvem órgãos federais, é a Justiça Federal quem pode julgar um processo. E a Justiça Federal está espalhada por todo o território nacional. Inclusive no Ceará. É a mesma coisa da polícia: há polícias civis, que são estaduais, em cada um dos estados, mas há também delegacias da polícia federal naqueles mesmos estados. E essas duas polícias, assim como as duas justiças, cuidam de assuntos diferentes.
Mas o interessante da matéria é que o juiz federal ainda não decidiu a questão de forma definitiva. Ele apenas concedeu uma liminar, que é uma decisão tapa-buraco, que serve para gerir uma situação até que ele tome uma decisão definitiva.
Já falamos da liminar em outros artigos, mas vale lembrar: ela é concedida em casos emergenciais em que quem a requer parece ter direito ao que está pedindo.
É claro que todos os alunos têm o direito de serem tratados da mesma forma. Esse é o princípio da isonomia ao qual a matéria se referiu. Mas isso não é suficiente para determinar se a liminar deve ser concedida. O magistrado também deve estar convencido de que a o assunto é urgente e o cancelamento das questões de todos é a melhor solução possível.
Uma liminar só deve ser concedida quando os danos causados por sua não concessão são muito grandes, de difícil reparação, e muito prováveis. Além disso, a liminar deve ser adequada para resolver o problema que pretende resolver. 'Adequado' significa que é capaz de resolver o problema, que não vai deixar pedaços importantes do problema sem resolver, e não vai além do que é necessário para resolver o problema.
Cancelar a prova de todos resolve o problema. Mas não é só isso que deve ser observado. Deve resolver o problema sem causar um dano maior. Imagine uma noz. Você pode quebrar sua casca com um martelo. Isso resolve o problema de como abri-la, mas cria um dano maior: destrói o seu conteúdo. A mesma coisa precisa ser analisada na matéria acima: há alguma outra forma de tentar remediar o problema sem causar um problema maior? Se houver, essa segunda forma deve ser adotada.
E quais seriam as alternativas para esse caso? Bem, além do que foi determinado pelo juiz, as mais óbvias seriam anular todo o exame de todos os alunos, anular as questões apenas dos alunos que tiveram acesso, ou anular toda a prova desses mesmos alunos.
Na primeira alternativa, a solução é mais dolorosa do que a doença. E nas outras duas alternativas ainda restaria um outro problema: sabemos que as 13 questões vazaram para um colégio. Mas se vazaram para um colégio, também podem ter vazado para alunos de outros colégios, afinal você não é amigo apenas das pessoas que estudam em sua escola. Logo, se apenas os alunos de um colégio tiverem (parte) das questões canceladas, não resolveria o problema maior, isto é, a anulação ainda deixaria parte do problema sem solução já que outros alunos de outros colégios que podem ter tido acesso à prova, sairiam beneficiados. E a liminar deve sempre tentar resolver a maior parte do problema, e não apenas parte do problema.
Mas existe um outro problema: a anulação é urgente? Aqui o juiz se pergunta o que acontece se ele anular (ou não) as questões imediatamente.
Primeiro, não podemos nos esquecer: essa prova serve para entrar na universidade. Logo, se a solução demorar muito, as pessoas serão prejudicas pois não poderão entrar na faculdade até que se resolva esse problema.
Se a Justiça não anula as questões, alguns alunos (os daquele colégio) terão uma vantagem sobre os demais alunos. Se ele anula apenas a prova (ou parte da prova) dos alunos que tiveram acesso às questões antecipadamente, eles ficariam prejudicados (por algo do qual não têm culpa, afinal, eles não pediram para ver as questões antes da hora). Mas se a Justiça anula as questões de todos, todos ficam mais ou menos na mesma posição. Óbvio que não é uma solução ideal, mas é uma solução racional. E é aí que devemos nos lembrar que a liminar nunca é uma solução ideal: ela deve ser sempre a melhor solução possível para um problema que dificilmente encontrará uma solução ideal.