“Brasil vai à OMC contra sobretaxa ao frango adotada pela África do Sul
O Brasil contestará a África do Sul na Organização Mundial de Comércio em razão de medidas protecionistas contra a exportação de aves.
A Camex (Câmara de Comércio Exterior), que reúne sete ministros, autorizou o Itamaraty a dar início a consultas formais junto à África do Sul a respeito da sobretaxação imposta ao frango desde fevereiro.
A medida foi adotada pelo governo sul-africano depois de uma investigação levantar indícios de ‘dumping’ - quando um produto é exportado a valores inferiores ao preço de custo no seu país de origem - pelos exportadores brasileiros.
O Ministério do Desenvolvimento, que preside a Camex, disse que os produtores brasileiros estimam que a taxação imposta ao Brasil gere prejuízo de US$ 70 milhões ao ano”
Nas faculdades, aprendemos que o termo dumping (que existe assim mesmo, em inglês, na legislação brasileira) é aquilo que foi dito na matéria: vender o produto abaixo do preço de custo (‘preço de custo’ é um termo que usamos todos os dias mas não faz sentido do ponto de vista técnico. O correto é 'custo de produção').
Embora vender um produto por um valor abaixo do que custou produzi-lo seja uma forma de dumping, dumping é muito mais do que isso. Dumping, no Brasil, significa “a introdução de um bem no mercado doméstico (…) a preço de exportação inferior ao valor normal” (art. 4º do Decreto 1.602/95). Repare que a norma não faz qualquer referência ao custo de produção. Ela menciona apenas o valor normal.
E o que é valor normal? O próprio Decreto, no artigo seguinte, explica que é “o preço efetivamente praticado para o produto similar nas operações mercantis normais, que o destinem a consumo interno no país exportador”. Em outras palavras, é o preço pelo qual o produto seria vendido em seu país de origem.
‘Ah, mas o valor sempre muda de loja pra loja’. Sim, mas aqui olhamos não o valor final para o consumidor na loja, mas o valor praticado pelo fabricante no momento em que ele vende para o atacadista, intermediário ou quem quer que seja que compre dele.
Mas, na prática, qual é a diferença entre o que a matéria disse e o que a norma diz?
Imagine que o produto tenha um custo de produção de R$100 por unidade. Além disso, todos os custos indiretos (pagar os gerentes, o aluguel do prédio da fábrica, o custo da propaganda etc) fiquem em R$50 por unidade. Por fim, a empresa põe uma margem de lucro de R$40. No total, ela o o vende no mercado interno por R$190. Se a empresa diminuir sua margem e lucro para R$1 quando estiver exportando, ela o estaria exportando por R$151. Pela definição dada pela matéria acima, isso não é dumping porque a empresa ainda está operando no lucro (ainda que seja de apenas R$1). Pela definição da matéria, ela só estaria praticando dumping se vendesse por menos de R$100, que é o custo de produção. Mas pela definição do decreto, R$151 é dumping porque, ainda que ela tenha lucro de R$1, esse não é o valor normal do produto. Óbvio que ela não precisa exportar exatamente por R$190 (mesmo porque raramente uma empresa vende o mesmo produto pelo mesmo preço para dois atacadistas diferentes. E, além disso, quando ela exporta ela não paga alguns tributos, como IPI, por exemplo, e isso faz com que o preço de exportação caia). Mas o valor não pode ser muito diferente ou ele fugirá daquilo que seria um 'preço normal'.
A matéria se refere à OMC. O Brasil não pode usar suas próprias leis na OMC, que é uma organização internacional com normas próprias. Logo, o decreto brasileiro não tem qualquer importância na OMC.
Mas a definição adotada no Brasil é parecida com a definição da OMC: “a product is to be considered as being dumped, i.e. introduced into the commerce of another country at less than its normal value, if the export price of the product exported from one country to another is less than the comparable price, in the ordinary course of trade, for the like product when destined for consumption in the exporting country” (art. 2.1 Agreement on Implementation of Article VI of The General Agreement on Tariffs and Trade, 1994). Isso porque simplesmente copiamos a definição da OMC para o direito brasileiro já que não faria qualquer sentido adotar uma definição diferente quando o assunto quase sempre envolverá uma disputa junto à OMC.
Já que estamos falando do assunto, vale lembrar que nosso maior parceiro comercial, a União Europeia (que importa 21% de tudo que o Brasil exporta, e exporta 20% de tudo que importamos), adota uma definição muito parecida: “a product is to be considered as being dumped if its export price to the Community is less than a comparable price for the like product, in the ordinary course of trade, as established for the exporting country” (art. 2 do Regulamento 1.225/2009).