"Mãe esquece filha no carro e bebê morre
Uma bebê que completaria seis meses no próximo sábado morreu ontem após ter sido esquecida pela mãe por cerca de seis horas dentro de um carro estacionado em um local sem sombra na rua Salvador Mastropietro, na Vila Ema (zona leste). Segundo a Polícia Civil, o bebê morreu por asfixia e apresentava sinais de desidratação.
A mãe, Vilma da Silva, 40, gerente financeira de uma metalúrgica, deixou a filha mais velha, de seis anos, na escola e levaria a caçula à creche, mas ela se esqueceu e foi direto para o trabalho. Ontem, seu trajeto foi diferente do de sua rotina, quando ela costuma deixar a mais nova primeiro, no Jardim Anália Franco, e, depois, levar a de seis anos ao Tatuapé.
Vilma foi indiciada por homicídio culposo (sem intenção).
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A mulher contou à polícia que chegou à empresa onde trabalha por volta das 9h e só percebeu que a filha Sofia Silva e Sousa estava trancada no Fiesta, que tem película que escurece os vidros, por volta das 15h. Nesse horário, ela iria buscar a criança na creche para levá-la ao pediatra. Nos últimos dias, Sofia estava resfriada, de acordo com amigos da família. Segundo Luiz Neves de Oliveira Junior, 32, colega de Vilma, quando ela viu a criança no carro, se desesperou, a pegou no colo e voltou para a empresa pedindo ajuda. "Até achei que ela tivesse sido assaltada."
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Segundo a PM, ao chegar ao hospital, Sofia já estava morta. "Ela repetia várias vezes, chorando, "matei minha filha, matei minha filha'", disse Márcia Neves, uma das donas da empresa onde Vilma trabalha.
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Ela voltou ao trabalho há pouco tempo, após a licença-maternidade. Segundo amigos, ela é uma mãe "dedicada" e tinha um horário diferenciado de trabalho para poder atender às necessidades das filhas"
Por mais triste que seja, esse é um crime (sim, é um crime) muito mais comum do que se pensa. A razão é simples: o recém nascido ainda não entrou na rotina dos pais. Como o bebê não fazia parte da antiga rotina, e como os pais estão agindo de acordo com o que faziam antes, acabam esquecendo do novo integrante da família. Esquecem de dar medicamento, de alimentar, de dar banho, de trocar a fralda, de buscar na creche ou de tirar do carro.
Mas o caso é interessante para falarmos de três coisas:
O que é um crime culposo? Culposo é o crime em que o criminoso não quer ou não assume o risco de causar o resultado. A mãe não quis ou assumiu o risco de matar a criança. Ela matou sem querer. Ela matou porque ela agiu de uma forma que uma pessoa normalmente não deveria agir. Isso é a culpa. A culpa ocorre quando a pessoa age com imprudência, negligência ou imperícia. Imprudência significa que a pessoa não tomou os cuidados necessários que qualquer outra pessoa tomaria. Negligência significa que a pessoa não tomou conta como uma pessoa normal tomaria. E imperícia significa que a pessoa não domina a técnica necessária para fazer o que tentou fazer. No caso acima, a mãe foi negligente. Por isso ela é responsável por um crime culposo. Vale lembrar que as penas para os crimes culposos são menores do que as dos crimes dolosos (quando o agente quis ou assumiu o risco de cometer o crime).
Nem todo crime é punido na modalidade culposa. A regra é que todo crime é punível na modalidade dolosa. Apenas quando a lei é clara de que tal crime é punível na modalidade culposa é que vai haver uma punição. No caso do homicídio, o Código Penal fala claramente que uma pessoa pode ser punida se matar outra, mesmo que tenha sido sem querer.
Mas o mesmo Código Penal diz que, se os efeitos da morte forem muito pesados no criminoso, o juiz pode conceder o que chamamos de perdão judicial. Ou seja, ele não vai punir a mãe que matou o filho culposamente (sem querer), se ele ficar convencido de que o trauma, sentimento de culpa e remorso da mãe são maiores do que qualquer punição que a justiça possa aplicar contra ela. A mãe já terá de viver o resto de sua vida se culpando pela morte de seu filho. Por que mandá-la para a prisão? Ter de viver com a memória daquela morte já é punição o suficiente. Por isso o juiz pode perdoá-la.