“Dilma propõe reforma política e legislação de combate à corrupção
A presidente Dilma Rousseff disse nesta segunda-feira, em pronunciamento na abertura da reunião com governadores e prefeitos no Palácio do Planalto, que vai propor a convocação de um plebiscito que autorize uma Constituinte para promover uma reforma política no país (…)
A presidente propôs uma nova legislação que considere a ‘corrupção dolosa (quando há intenção) como crime hediondo’, com penas mais severas.”
A notícia diz que a presidente se referiu a corrupção dolosa. Mas não está claro exatamente ao que ela referia.
Isso porque não existe o crime de ‘corrupção dolosa’. Por definição, corrupção, no Brasil, é apenas punida na modalidade dolosa, que é quando a pessoa quer ou assume o risco de cometer o crime. Não há corrupção culposa no Brasil. Ninguém é punido por corromper ou ser corrompido negligentemente, imprudentemente ou sem a devida perícia (!)
Há, no Brasil, dois crimes chamados corrupção: corrupção passiva e corrupção ativa.
Corrupção ativa é praticada pelo corruptor que oferece ou entrega ou promete a propina. Corrupção passiva é praticada pelo servidor público que pede ou recebe a propina.
Ambas – corrupção ativa e corrupção passiva – são punidas apenas na modalidade dolosa.
No caso acima, a presidente provavelmente desejava referir-se a uma delas, mas não ficou claro qual. Ou seriam ambas?
O outro ponto importante é o sobre crime hediondo.
Até o momento, são poucos os crimes hediondos. Por exemplo, nem mesmo um homicídio doloso simples é considerado crime hediondo (exceto quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio). Logo, alguém que recebesse R$100 seria punido com maior severidade do que alguém que matasse alguém intencionalmente.
Além disso, simplesmente classificar algo como crime hediondo não significa que a pessoa será de fato presa. A pena máxima para corrupção (ativa ou passiva) é de 12 anos. Mas a mínima é de 2 anos. Se a pessoa for punida com uma pena baixa, ela provavelmente terá direito a iniciar o cumprimento em regime semiaberto ou aberto. Como faltam colônias (para o regime semiaberto) e casas de albergados (regime aberto), os condenados teriam direito a liberdade condicional. E isso abriria uma nova frente de batalha: crimes hediondos têm tal direito? A lei diz que não, mas como o Estado falhou na obrigação de construir tais locais de cumprimento de pena, a Justiça provavelmente dará liberdade condicional aos condenados. Se ele for apenado com a pena de exatos 2 anos, ele terá direito ao sursis (quando, embora condenado, sequer põe o pé na prisão).
Uma outra alternativa muito mais simples seria, por exemplo, aumentarmos as penas por corrupção ativa ou passiva (fazendo, assim, com que se aumente o tempo para chegar ao regime semiaberto ou aberto).
Mas a alternativa mais fácil seria realmente punirmos quem corromper ou for corrompido. A questão de fundo não é se o crime é hediondo ou não, ou se a pena é baixa ou alta. A questão fundamental é se punimos ou não. E isso tem a ver com as regras processuais (que lidam com questões como os recursos) e com questões de ética profissional de magistrados e advogados.