“Justiça do Paraná determina que toda a população seja vacinada
A Justiça Federal do Paraná determinou ontem, em decisão liminar, que a vacina contra a gripe A (H1N1) -gripe suína- seja disponibilizada para toda a população do Estado, e não apenas para os grupos estabelecidos no cronograma de vacinação do Ministério da Saúde.
A Justiça considerou que o Estado do Paraná teve o maior índice de casos de influenza do país no ano passado e que a região Sul é mais suscetível à incidência do vírus devido às condições climáticas.
A decisão também apontou que os grupos contemplados pelo ministério não são os com maior incidência da doença no Estado. A União prioriza gestantes, doentes crônicos, crianças de seis meses a dois anos, adultos de 20 a 39 anos e idosos.
No Paraná, segundo a decisão, relatório da Secretaria de Estado de Saúde mostrou que os grupos de maior risco são, em ordem decrescente, adultos com idades de 50 a 59 anos, de 30 a 39, de 40 a 49 e de 20 a 29.
A Secretaria de Saúde do Paraná disse que não iria se manifestar porque ainda não havia sido notificada. O Ministério da Saúde também disse que não foi notificado, mas informou que vai orientar a Procuradoria-Geral da União a recorrer.”
Reparem na diferença importante entre o título e o corpo da matéria. O título diz que as pessoas deverão ser vacinadas. Já a matéria diz que o governo deve disponibilizar vacinas suficientes para que toda a população seja vacinada, se as pessoas assim quiserem. Essa é uma diferença fundamental na democracia brasileira. O mesmo raciocínio usado aqui é usado para explicar por que alguém pode recusar a submeter-se a determinado tratamento médico (o exemplo clássico são as testemunhas de Jeová que recusam transfusão de sangue): o Estado não pode determinar como devemos cuidar de nossa saúde e de nossas mentes, pois segundo a lógica jurídica de nosso modelo democrático, o direito às individualidades física e intelectual são direito individuais e fundamentais.
Nem sempre foi assim. A história recente mostra milhares de casos em que as pessoas eram submetidas a tratamentos forçadamente. No século XX vimos os países democráticos ocidentais darem um maior enfoque às liberdades individuais. Até mesmo as penas passaram a evitar o corpo do indivíduo. Basta lembrar que açoites, pelourinhos, vacinações forçadas e outros métodos de punição física eram usados até muito recentemente no Brasil (alguém se lembra dos motivos que levaram à Revolta da Chibata, em 1910?) .
Hoje, se o estado tentasse impor uma vacinação ou determinados tratamentos médicos, ele estaria submetendo as pessoas a uma situação que, quase certamente, consideraríamos degradante e desumana, e isso seria inaceitável. Por isso o Estado deve disponibilizar o tratamento mas, se a pessoa puder escolher (ou seja, estiver consciente o suficiente para exercer sua vontade), a pessoa pode simplesmente se recusar a receber tal tratamento. Se ela não tiver como expressar sua vontade, sua representante legal (pais, cônjuges, filhos etc) pode fazê-lo em seu nome. O Estado apenas irá optar no lugar da pessoa quando ela não consegue exercer sua vontade (está em inconsciente, por exemplo), e não há uma outra pessoa presente que possa representar sua vontade (por exemplo, os médicos precisam efetuar a transfusão de sangue e não sabem quem são ou não têm tempo para consultar os pais do paciente).
Contudo, é importante lembrar que, embora não possa impor um tratamento ou vacinação, o Estado pode restringir alguns direitos daqueles que recusam sua ajuda. Por exemplo, ele pode impedir que alguém tenha acesso a determinados locais se não foi vacinado contra a febre amarela. Ou ele pode até mesmo determinar que pessoas que recusem um determinado tratamento deixem um local que esteja sob quarentena.
Em uma entrevista recente a uma revista do Ministério da Saúde discuti como a proibição do fumo em determinados locais não visa proteger o fumante (se alguém quiser fumar mil cigarros por dia, pode), mas o não-fumante.