“Mantida decisão que condena música de Tiririca por racismo
O Tribunal de Justiça do Rio manteve anteontem decisão que condena a gravadora Sony Music por causa da música ‘Veja os cabelos dela’, composta pelo agora deputado Tiririca (PR-SP).
A decisão confirma sentença de 2004 que estipulava indenização de R$ 300 mil (…)
Trecho da música diz ‘Essa nega fede’. A ação foi movida pelas ONGs Centro de Articulação das Populações Marginalizadas, Instituto das Pesquisas das Culturas Negras, Grupo de União e Consciência Negra e Instituto Palmares.
A gravadora, com quem Tiririca não tem mais contrato, diz que vai recorrer da decisão”.
E no CQC dessa semana:
Racismo é crime. Logo, ao contrário do título da matéria acima, é impossível condenar uma música por um crime. Condena-se uma pessoa.
Segundo, a gravadora citada na matéria não foi condenada por racismo. A bem da verdade, se olharmos a decisão do Tribunal, vemos que ela diz com todas as letras que não houve condenação por tal crime.
E o que é racismo, então?
Racismo é impedir alguém de exercer seus direito devido à sua raça, etnia, nacionalidade, religião ou cor. Em outras palavras, é discriminar alguém ou agir com preconceito. E a lei 7.716/99 diz o que deve ser entendido por discriminação ou preconceito:
- Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos, ou obstar a promoção dessa pessoa.
- Negar ou obstar emprego em empresa privada.
- Deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores
- Impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional
- Proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário.
- Em atividades de recrutamento, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências.
- Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.
- Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.
- Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.
- Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público.
- Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público.
- Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabelereiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades.
- Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:
- Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido.
- Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.
- Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.
Se lermos a matéria ou assistirmos o vídeo, veremos que em nenhum momento houve, de acordo com a lei, discriminação ou preconceito (os 16 pontos acima).
Então o assunto está encerrado?
Não. O artigo 20 da mesma lei diz que é crime “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Logo, mesmo que você não impeça alguém de exercer seus direitos você poderá estar praticando racismo. Basta que você induza ou incite alguém a discriminar ou agir com preconceito.
E é aí que a questão fica mais complicada porque, como podemos observar nas duas matérias acima, em nenhum momento a música ou o entrevistado incitam as pessoas a fazerem qualquer das coisas enumeradas acima. Logo, não é possível dizer que houve a incitação. E a indução? Há alguns juristas que dizem que o que foi feito pode ser considerado indução. Mas esses são, ainda, uma minoria. Isso porque tanto a incitação quanto a indução precisam ser a algo específico. O entrevistado em nenhum momento disse que o ouvinte deve impedir negros de fazerem isso ou aquilo.
Por fim, o entrevistado falou bastante da questão homossexual. Reparem que a lei não fala nada a respeito de preconceito contra homossexuais (ou pessoas vindas de determinadas regiões do país ou de determinados estados). Já falamos desse assunto aqui. Aliás, racismo é um assunto sobre o qual falamos sempre e existem vários posts a respeito, que vão dos infames 'rodeios com mulheres gordas' até mensagens de estudantes de direito contra nordestinos.