
Marcos Labanca - 15.mar.10/Folhapress.
Saiu na Folha de hoje (9/8/13):
"Assassino de Glauco pode ir para casa, decide Justiça
A Justiça de Goiás decidiu que Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu, 27, assassino confesso do cartunista Glauco Vilas Boas e do filho dele, pode sair da clínica psiquiátrica e voltar para casa de seus pais.
A decisão foi dada anteontem pela juíza Telma Aparecida Alves, da 4ª Vara de Execuções Penais de Goiânia.
Segundo a juíza, Cadu, que tem esquizofrenia, está apto a passar para o tratamento ambulatorial. Ele passou em junho pela avaliação de uma junta médica do Tribunal de Justiça de Goiás, que deu parecer favorável à liberação.
'Mantê-lo internado seria só se sentisse nele certa periculosidade. O problema é que as pessoas não entendem que ele não foi condenado, foi absolvido. Ele não pode sofrer pena'"
Pela lei brasileira, loucos não podem ser responsabilizados penalmente porque não sabem o que estão fazendo. Se ele não tem consciência das potenciais consequências de seus atos, não há como punir. E mais: não há razão para punir. Da mesma forma como não se pune um menor, ou um animal, ou uma mesa, não se pune o louco. A lei só pune quem tem (ou aquilo que tem) capacidade de saber o que faz. Daí a afirmação da juíza acima dizendo que ele foi absolvido.
É o que em direito se chama absolvição imprópria: o réu é absolvido, mas é submetido a tratamento ou internação. Não como punição, mas para protegê-lo de si mesmo e ao resto da sociedade. Como não é uma punição, tão logo a junta psiquiátrica determina que aquela pessoa não mais representa um risco, o tratamento termina. É o que ocorreu na matéria acima.
Mas isso não quer dizer que o assunto não gere debates sobre a responsabilidade dos profissionais que determinam que o louco está pronto para ser reintegrado à sociedade.
O magistrado não entende de sanidade mental: ele depende de laudos de técnicos que conhecem o assunto. Logo, se há responsabilidade, ela é (ou seria) de quem faz o laudo.
Se você tem um cão que mata alguém, você é responsável civilmente pelo dano que ele causou. Mas você não é responsável criminalmente porque não sabia que seu cão era bravo.
Mas se você tem consciência que seu cão é perigoso e não o mantém sob controle, e ele mata alguém, você, no mínimo, agiu com negligência e será responsabilizado penalmente pelo homicídio culposo. E se você assumiu o risco de que seu cão matasse, pode ser responsabilizado por homicídio doloso (dolo eventual).
Mas o mesmo não acontece com o psiquiatra que coloca o louco em liberdade - sabendo que ele já cometeu delitos anteriores - e esse louco vem a cometer um novo delito. Desde que o técnico aja dentro das regras de sua profissão, para a lei ele não está assumindo um risco e nem sendo negligente.
Ou está?
Se o louco vier a matar ou cometer novos crimes depois de liberado, o Estado poderá ser acionado civilmente pelo erro de seu profissional, mas isso apenas recompensa a perda financeira causada por aquele erro do técnico. Não muda o fato de que um inocente morreu ou foi vítima de um crime por conta do erro do profissional. A tragédia está estabelecida.
Por outro lado, o profissional não pode e não deve manter alguém pronto para ser reintegrado ao convívio social fora desse convívio simplesmente porque há uma possibilidade de haver um novo surto. O que o profissional tenta determinar é o nível de probabilidade de tal possibilidade. Ele pode vir a cometer um novo delito, mas quais a chances de isso realmente acontecer?
O debate é espinhoso porque a mente humana não é algo exato, concreto, como matemática, onde uma mais um são sempre dois. Há sempre o risco de um diagnostico incorreto.