“Chávez sofre de insuficiência respiratória, afirma governo
O governo da Venezuela informou ontem que Hugo Chávez apresenta quadro de insuficiência respiratória decorrente da ‘severa’ infecção pulmonar que apresentou após a cirurgia oncológica que fez há 23 dias em Cuba.
A nota, lida pelo ministro das Comunicações, Ernesto Villegas, em cadeia nacional, diz apenas que o presidente tem de cumprir ‘estritamente’ o tratamento médico, sem detalhes de prognóstico.
O comunicado acusa a ‘mídia transnacional’ de promover ‘guerra psicológica’ sobre o tema para desestabilizar o país e ‘desconhecer a vontade do povo’ que reelegeu Chávez em outubro, para governar até 2019.
O presidente deveria tomar posse do novo mandato na quinta que vem, mas ainda não há posicionamento oficial sobre que caminho legal o governo tomará se Chávez não puder ser juramentado”.
Imagine que você tenha um problema de saúde do qual não queira falar ou mesmo do qual tenha vergonha. Talvez por questão cultural - como alguma doença venérea ou impotência - talvez porque ele o lembre que seus dias possam estar contados, como um câncer terminal.
Óbvio que você não quer ver seu problema divulgado na primeira página.
Mas a discussão toma uma direção diferente quando se trata de um líder. Embora sua posição lhes possibilite acesso aos melhores especialistas, hospitais e tratamentos, isso vem com um preço: estão submetidos ao escrutínio constante da mídia. Por conta de quem são e dos cargos que ocupam, a privacidade está, inevitavelmente comprometida.
Óbvio que isso gera um enorme debate sobre liberdade de imprensa e direito à privacidade. O bom jornalista tem a obrigação de perguntar e de farejar os fatos. Mas não deve invadir hospitais, subornar enfermeiros ou de qualquer outra forma passar a tênue linha que separa investigar com afinco e agir ilegalmente.
Mas não é exatamente esse o ponto a ser levantado aqui.
Líderes têm enorme poder. Se o líder – ditador ou democrata – está acometido de uma doença, essa doença pode comprometer o uso desse poder. Para ficarmos em exemplos históricos, George III, foi acometido de uma doença que o levou à loucura. Enquanto isso, seu país perdia a guerra contra os EUA (1775-1783).
Uma doença mental gera um risco óbvio. Mas a questão se complica com doenças físicas, seja pela impossibilidade física de agir, seja pelos reflexos mentais da doença, seja pela consequência do tratamento.
A primeira questão, portanto, é saber se a doença física coloca ou pode colocar o exercício do poder em risco. Ou seja, deve-se afastar essa pessoa? Quando esse afastamento deve ocorrer? E quem deve determinar que tal pessoa não está mais apta – ainda que temporariamente – a exercer suas funções? Afinal, políticos e juristas não são médicos, médicos nem sempre concordam entre si, e medicina não é ciência exata.
A segunda questão, talvez mais complicada, é o quanto de informação deve ser divulgada a respeito.
Se você é eleito democraticamente, o poder não lhe pertence: você o exerce em nome dos eleitores. Logo, você lhes deve explicações.
Mas quanto de explicação? Um artista – ainda que seja figura pública – não tem obrigação de falar de sua doença publicamente. Um advogado – que representa alguém – não é obrigado a informar ao cliente os detalhes de sua doença, mas deve informá-lo de qualquer elemento que possa interferir com a representação do cliente.
O líder – figura pública e que representa eleitores – tem direito a alguma privacidade ainda que ela esteja comprometida por conta do cargo que escolheu ocupar. Óbvio que se ele renunciar, sua doença passa a ser um problema meramente pessoal. Mas enquanto está no poder, sua doença é, também, uma questão política. Ela traz riscos políticos e institucionais. Democracias e surpresas raramente combinam. Democracias se fortalecem quando as pessoas e as instituições têm tempo para se prepararem para a materialização de um risco. Se há riscos, esses riscos precisam estar claros para a população. E saber o tipo e severidade de uma doença é essencial.
Mas existe um terceiro elemento do qual sempre nos esquecemos, e talvez seja o mais importante deles: líderes são exemplos e devem agir como exemplos. Se um líder sofre de câncer de próstata, mama ou o que seja, e esconde a doença por vergonha ou por achar que a ausência de um testículo ou seio o fará menos homem ou mulher, ele está reforçando um estigma. É como dizer ‘se eu tenho vergonha de discutir esse problema de saúde, vocês também devem ter’. Pelo contrário, se ele trata da questão aberta e naturalmente, ele está dizendo à população ‘olha, não há vergonha em falar a respeito’.
O governo venezuelano vem divulgando que o presidente sofre de um câncer na pélvis. Essa é uma região do corpo, e não um órgão ou tecido humano. É o mesmo dizer que tem um 'câncer na região da cabeça'. Não informa aos eleitores o tipo de câncer ou sua gravidade. Alguns tipos são de fácil tratamento, outros são quase sempre fatais. Em alguns tipos, ainda que terminais, a morte pode demorar meses. Em outros, a morte ocorre rapidamente. E ainda é possível que o uso do termo 'pélvis' seja um eufemismo para metástase (quando o câncer se espalha para outros órgãos). Enfim, não dá para saber. E é aí que está o problema para a democracia. Líderes democratas precisam proteger o processo democrático, inclusive ao custo de sua própria privacidade.
Se de um lado há o direito da pessoa preservar sua intimidade e dignidade em um momento de sofrimento, do outro há a necessidade de informações para que população e instituições se prepararem para o futuro, qualquer que seja. Surpresas geram instabilidade, e instabilidade é antônimo de democracia.