“Rio tem confronto de manifestantes e PMs
Manifestantes e policiais militares entraram em confronto ontem no centro do Rio em um novo protesto contra a elevação da tarifa de ônibus. Trinta e uma pessoas foram levadas para a delegacia, nove delas menores de idade.
Houve tumulto, com manifestantes atirando pedras e cascas de coco contra prédios públicos e contra PMs -que utilizaram bombas de efeito moral e spray de pimenta.
O comércio fechou as portas e houve correria entre as pessoas que saíam do trabalho, por volta das 18h30.
A manifestação foi a segunda no Rio em menos de uma semana --a primeira, sem confronto com a PM, havia sido na quinta-feira. Foi convocada nas redes sociais.
As passagens de ônibus no Rio aumentaram de R$ 2,75 para R$ 2,95 no último dia 3.”
“Haddad atribui rejeição ao aumento da tarifa de ônibus
O prefeito Fernando Haddad (PT) atribuiu ao aumento da tarifa de ônibus -de R$ 3 para R$ 3,20- a piora em sua avaliação à frente da administração municipal (…)
Ele disse que vai monitorar de Paris (onde está ao lado do governador tucano Geraldo Alckmin) a terceira manifestação em seis dias contra a elevação das tarifas do transporte, marcada para hoje à tarde na av. Paulista.
Segundo ele, a Polícia Militar e a GCM (Guarda Civil Metropolitana) estão acionadas para tentar impedir novas depredações e congestionamentos, como os ocorridos na semana passada.”
Do ponto de vista constitucional, o que está acontecendo é um conflito entre três direitos: o dos manifestantes de se manifestarem, o dos não-manifestantes de irem e virem, e o do poder público de gerenciar o bem estar da sociedade como um todo.
A liberdade de expressão é garantida pela Constituição. Mas não há direito sem obrigações ou limites.
No caso das manifestações, o limite é que a liberdade de expressão de uma parte não deve ofender o direito da outra parte de ir e vir, ou do poder público gerenciar as vias urbanas, a segurança pública ou os bens públicos e privados. E é aí que está o problema dessas manifestações.
Quando a manifestação vira um protesto, e o protesto vira um empecilho ao resto da sociedade, ela passa a ofender o direito alheio. Daí por que os municípios podem (e devem) gerenciar como essas manifestações são feitas, quando são feitas, como devem ser feitas etc.
Do ponto de vista puramente jurídico, não é muito diferente das restrições impostas às marchas religiosas, as paradas GLSs, ou em favor ou contra qualquer outra coisa: o governo não está tolhendo a liberdade de expressão, mas apenas tentando garantir que o direito de alguns não invada o direito dos demais.
Mas há dois pontos importantes para considerarmos:
Primeiro, qual é o limite dos limites que o governo pode impor, especialmente quando ele é o alvo da manifestação? Ninguém gosta de ser criticado, e é natural que o governo criticado queira dificultar uma manifestação contrária a ele. Mas, ao mesmo tempo, a crítica faz parte do processo democrático. O Executivo não deve gerenciar seus próprios interesses, mas os interesses de todos, inclusive daqueles que se opõem a ele. Daí que ele não pode simplesmente proibir ou dificultar uma manifestação ao ponto de ela tornar-se inviável ou sem sentido.
Na dúvida, uma boa regra (que não é jurídica, mas puro bom senso) é ponderar se as mesmas limitações são ou seriam impostas quando a manifestação é em relação a algo que o governo apoia.
Segundo é que o principal motivo de um protesto não é manifestarmo-nos contra ou a favor de algo. Isso podemos fazer através do voto, escrevendo uma carta aos nossos representantes, conversando com amigos, postando nas redes sociais etc. O principal motivo de um protesto é chamar a atenção para algo.
Tanto o manifestar-se quanto o chamar a atenção do resto da população para um assunto são facetas da liberdade de expressão, mas são coisas distintas (ainda que quase sempre apareçam juntas).
Mas se um protesto passa a ser tão ‘esterilizado’ que ele acaba não tendo qualquer capacidade de chamar a atenção, não estaríamos tolhendo a liberdade de expressão? Se aqueles que se opõem ao aumento das tarifas só pudessem se manifestar em um local ermo, em um dia e hora que não traria nenhum transtorno para ninguém, provavelmente não estaríamos falando do assunto aqui ou lendo a respeito nos jornais.
Logo, não são apenas os manifestantes que devem se preocupar com o direito de ir e vir dos demais ou os direitos (e deveres) do governo, mas também o resto da sociedade e o governo não devem agir de forma a silenciar os manifestantes ou, mesmo sem silenciá-los, impossibilitar que sejam ouvidos.
Nossa lei coloca alguns limites a todos, mas isso não significa que ela nos ensine a coexistir. Coexistência se aprende com a prática e autocontrole. Sem precisar apelar para o limite da lei.