"Ele apanhou de besta. Se tivesse seguido o caminho dele não teria apanhado"
“Polícia investiga agressões a gays em SP
Segundo a Polícia Militar, o estudante de direito André Cardoso Gomes Baliera, 27, voltava de uma farmácia a pé quando passou a ser xingado por dois rapazes que estavam em um carro parado na esquina da rua Teodoro Sampaio.
Após Baliera revidar os insultos, o empresário Bruno Portieri, 25, e o personal trainer Diego Mosca, 29, desceram e lhe deram chutes e socos.
PMs em ronda pela região detiveram os agressores e os levaram ao 91º DP (Ceasa), onde foram autuados em flagrante por tentativa de homicídio.
Baliera sofreu um corte na cabeça e ficou com hematomas. Ele foi levado a um hospital e liberado em seguida.
Na delegacia, Portieri e Mosca negaram homofobia e disseram que a briga surgiu de uma discussão de trânsito.
‘Ele apanhou, apanhou de besta. Se tivesse seguido o caminho dele não teria apanhado"’, disse Portieri ao deixar a delegacia, em imagens registradas pela TV Record”.
Vamos imaginar os quatro cenários possíveis:
Primeiro, que a vítima estava voltando para casa e os agressores a ofenderam e tentaram matá-la, seja porque a vítima era homossexual ou não. Nesse caso temos a tentativa de homicídio. Provavelmente será uma tentativa de homicídio qualificado (cuja a pena é muito maior) porque o motivo era fútil: simplesmente porque não gostam da opção sexual da vítima. Esse caso é simples de entender.
A segunda possibilidade – que é o que a polícia afirma que aconteceu – é que a vítima estava voltando para casa, foi ofendido e revidou no mesmo tom. Os suspeitos, então, resolveram tentar matar a vítima porque se sentiram ofendidos por ela ter revidado suas ofensas.
Aqui a vítima apenas reagiu. Ela não iniciou a ofensa. Quem iniciou a ofensa foram os dois suspeitos. Por isso eles não podem alegar que estavam reagindo às ofensas da vítima: foram eles que iniciaram o confronto, da mesma forma como alguém que aponta a arma para a vítima não pode, mais tarde, alegar que a matou em legítima defesa porque a vítima tentou sacar uma arma para se defender.
Ao iniciar um crime (e xingar alguém é crime: difamação), você está abdicando de seu direito de reagir à reação da vítima. Em outras palavras, você não pode usar uma reação da vítima ao seu primeiro crime para justificar seu segundo crime.
Mas vamos imaginar uma terceira hipótese: a vítima acima é quem começou as ofensas. Os dois suspeitos apenas reagiram às ofensas iniciadas pela vítima.
Vimos acima que você, ao iniciar um crime, está abdicando de seu direito de reagir à reação da vítima. Mas isso não significa que a vítima recebe carta branca para reagir como bem quiser. A reação deve ser proporcional. Não pode extrapolar o razoável. A reação pode ser igual ou menor à ação sofrida, nunca maior.
Se alguém atira uma bolinha de papel em você, você não pode metralhar quem atirou a bolinha de papel. Se alguém te dá um tapa, você não pode decapitá-lo.
Ainda que a lei permita que você tenha alguma reação, essa reação precisa estar dentro daquilo que seria proporcional à ofensa sofrida e razoável de se esperar de alguém em situação semelhante.
No caso da matéria acima, se a vítima é quem iniciou a ofensa, os dois suspeitos poderiam xingar de volta, mas não bater ou tentar matar, porque não é racional ou razoável esperar que um ser humano tente matar outro só porque foi ofendido verbalmente.
Quem excede esses limites de razoabilidade da reação responde criminalmente por seus excessos.
Mas vamos imaginar uma quarta possibilidade: que a vítima é quem tenha iniciado a violência física. Ela estava andando na rua, viu duas pessoas dentro de um carro, pensou 'oras, não tenho mais nada pra fazer por isso vou bater nessas duas pessoas inocentes', e iniciou a agressão física.
Ainda assim a reação dos suspeitos não seria razoável. Primeiro, porque eles poderiam simplesmente ter dirigido adiante; escapado. Tentar matar a vítima não era a única possibilidade que tinham e muito menos uma possibilidade razoável ou proporcional. Mas, mesmo que fosse, eles eram dois, e a vítima era apenas uma: eles poderiam ter imobilizado a vítima ou mesmo dado um soco ou pontapé para tentarem escapar. Isso seria razoável. Tentar matá-la, não.