“Presidente do STF diz que Lula deve ser investigado
O presidente do Supremo Tribunal Federal e outros dois ministros da corte defenderam ontem a abertura de uma investigação pelo Ministério Público Federal para saber se houve envolvimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o mensalão.
Condenado à maior pena do julgamento do caso, em que o STF examina um esquema de compra de apoio político no primeiro mandato de Lula, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza implicou o ex-presidente em novo depoimento à Procuradoria-Geral da República.
O depoimento, de 24 de setembro, foi revelado ontem pelo jornal ‘O Estado de S. Paulo’. Segundo Valério, dinheiro do mensalão foi usado para pagar despesas pessoais de Lula no início de seu mandato, em 2003, e ele deu aval à contratação dos empréstimos bancários que ajudaram a financiar o esquema (...)
O depoimento de Valério não faz parte do processo que está em julgamento no STF, mas pode provocar a abertura de novas investigações ou contribuir para outros inquéritos que já estão em curso (...)
Marcelo Leonardo, advogado de Valério, reclamou da punição dada ao cliente, mais de 40 anos de prisão, e disse que sua intenção é colaborar com a Justiça. ‘Considero lamentável o recado que o STF está dando à sociedade brasileira, [o] de que é inútil colaborar com a Justiça. Porque quem mais colaborou, nesse caso, foi quem recebeu a maior punição’”
A questão é muito mais complicado do que parece porque, dependendo da interpretação do STF, a colaboração pode aumentar a pena do colaborador. Vamos entender:
O art. 13 da Lei 9.807/99 diz que “poderá o juiz (…) conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I - a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso”
Para que o acusado seja beneficiado, a lei impõem vários critérios: primeiro, que ele se encaixe em um das três possibilidades enumeradas nos três incisos. Por exemplo, no caso do Mensalão, não adiantaria ele identificar alguém que já foi identificado. Ele teria de identificar alguém que ainda não foi investigado ou julgado. Em teoria, o ex-presidente pode entrar nessa categoria porque ainda não foi investigado.
Mas isso não basta. Ele precisa, ainda, ser primário. Primariedade não é a mesma coisa de bons antecedentes. Primariedade é o contrário de reincidência, ou seja, alguém que, ao cometer um novo delito, não havia terminado de cumprir a pena pelo delito anterior nos últimos 5 anos.
Além disso, sua ajuda precisa ter sido voluntária. Se ele acabou comprometendo os parceiros criminosos sem querer, ele não pode dizer que colaborou: ele apenas vacilou.
Mas não termina aí: o magistrado tem, ainda, que levar em consideração a personalidade do criminoso e as circunstâncias do crime. O perdão não é algo automático, do tipo ‘colaborou está perdoado’. Se fosse, não haveria necessidade de haver o parágrafo único no art. 13 da Lei. Foi justamente por isso que um dos outros réus - Roberto Jefferson - não recebeu o perdão judicial.
E é justamente porque nem sempre o acusado terá direito ao perdão – que ocorre quando, embora sentenciado, ele não cumpre a pena – é que existe o art. 14 na mesma lei. Ele diz que se a pessoa “colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços”.
Aqui, a pessoa é condenada e deve cumprir sua pena. Só que, como ela colaborou voluntariamente durante as investigações ou processo na identificação dos demais criminosos, sua pena é reduzida.
Apenas como exemplo, imagine que, no caso acima, o ex-presidente venha a ser investigado e processado em um Mensalão 2. O condenado que se dispõe a colaborar já não será primário porque terá sido condenado e estará cumprindo a pena no processo do Mensalão 1. Logo, ele não se beneficiará do art. 13 (que prevê o perdão), mas apenas do art. 14 (que prevê a redução de pena).
Só que aí entra um debate interessante: o art. 14 se refere à redução da pena do Mensalão 1 ou apenas à pena do Mensalão 2?
Afinal, o acusado está dizendo que praticou outros crimes de corrupção ativa, pelo qual ainda não foi julgado e precisaria ser julgado no Mensalão 2.
Se, ao colaborar no Mensalão 2 ele tem direito à redução da pena do Mensalão 1, a delação de fato vale a pena para ele, pois, ainda que seja condenado no segundo processo, a redução da pena no primeiro processo pode compensar. Por exemplo, se ele for condenado a 12 anos no segundo processo, mas a pena de 40 anos do primeiro processo for reduzida em um terço, no cômputo geral, sua situação melhora.
Mas se a redução for aplicada apenas à condenação do segundo processo, sua situação, necessariamente, será pior, porque a condenação de 40 anos do primeiro processo permanece inalterada, e ele ainda terá a condenação do segundo processo que, embora reduzida entre um e dois terços, ainda assim é uma nova condenação. Algo do tipo 'se ficasse calado ninguém ficaria sabendo desse segundo crime e ele não teria uma segunda condenação'.
O art. 14 não diz qual ou quais penas pode(m) ser reduzida(s). Ou seja, o STF pode decidir pela primeira ou segunda interpretação.