“O Senado aprovou ontem, em primeiro turno, a reforma do Código do Processo Penal Brasileiro, lei que define a tramitação de processos penais. O texto inclui mudanças como a criação do juiz de garantias (um segundo juiz que atuaria como investigador do processo), monitoramento eletrônico de presos e interrogatório de acusados por videoconferência. A reforma ainda precisa passar por nova votação antes de seguir para a Câmara”
Ficou mal explicado por que precisa passar por uma nova votação. Os Códigos são leis ordinárias (ou são decretos-leis, algo que já não existe, mas que na prática, depois de aprovado, é a mesma coisa de uma lei ordinárias e só pode ser substituídos por leis ordinárias*). Leis ordinárias, para serem aprovadas, precisam apenas de uma votação em cada casa. São as propostas de emenda à constituição (as PECs) que precisam ser aprovadas duas vezes em cada uma das casas. É o que diz, por exemplo, o artigo 270 do Regimento Interno do Senado Federal:
“As proposições em curso no Senado são subordinadas, em sua apreciação, a um único turno de discussão e votação, salvo proposta de emenda à Constituição”
Ora, então como é que pode o projeto do novo Código de Processo Penal precisar passar por mais uma votação se ele é apenas uma lei ordinária?
Na verdade isso acontece quando o projeto inicial foi tão alterado que o texto votado se tornou um novo projeto diferente daquela proposta apresentada inicialmente. Por exemplo, no caso da matéria acima o projeto inicial era de um senador (José Sarney), mas o texto aprovado era o substitutivo do relator (José Casagrande).
As mudanças feitas são tão grandes que o novo texto é chamado de ‘substitutivo integral’ (ou, mais usualmente, ‘substitutivo’) pois substituiu a proposta inicial inteira. Sempre que esse projeto substitutivo por aprovado, ele precisa passar por um turno suplementar.
Esse turno suplementar, contudo, é diferente da segunda votação a que uma PEC é submetida. A PEC precisa de dois terços dos votos na segunda votação para ser aprovada. Já o substitutivo integral pode ser considerado aprovado sem qualquer votação nesse turno suplementar. Basta que ninguém tenha apresentado qualquer emenda. É o que diz o artigo 284 do mesmo Regimento Interno:
"Não sendo oferecidas emendas na discussão suplementar, o substitutivo será dado como definitivamente adotado sem votação."
Esse turno suplementar ocorre para que os senadores possam apresentar emendas ao projeto substitutivo aprovado (já que suas emendas podem ter sido apresentadas ao projeto inicial, que acabou substituído). Se ninguém apresentar emendas, não há razão para uma nova votação.
Por fim, o erro da matéria: no caso dos substitutivos dizemos 'turno único', seguido de 'turno suplementar'. 'Primeiro' e 'segundo' turnos são reservados às PECs.
* A exceção é o Código Tributário Nacional. Embora o atual CTN seja uma lei ordinária, se ele fosse substituído, ele precisaria sê-lo por uma lei complementar.