"Comissão da Verdade estuda pedir punição a agentes da ditadura
A Comissão Nacional da Verdade estuda incluir em seu relatório final uma recomendação que possibilite a responsabilização de agentes públicos ligados a crimes na ditadura militar (1964-1985).
Hoje, autores de mortes, torturas e desaparecimentos não podem ser punidos porque o STF (Supremo Tribunal Federal) confirmou que esses crimes estão cobertos pela Lei da Anistia.
Além disso, a comissão foi constituída sem caráter punitivo. Mas membros do grupo não acham que o assunto esteja resolvido.
Paulo Sérgio Pinheiro, por exemplo, já afirmou que o Brasil tem de cumprir a decisão da Corte Interamericana dos Direitos Humanos sobre o desaparecimento de ao menos 62 pessoas na Guerrilha do Araguaia, nos anos 1970.
O órgão entendeu que a anistia não tinha valor jurídico em relação a essas violações aos direitos humanos e determinou que o Estado brasileiro puna os responsáveis.
A opinião de Pinheiro é a mesma de outros membros do grupo, mas não está claro como tratar a questão"
Ninguém gosta de ver injustiça. E qualquer pessoa que já teve que lidar com tortura, torturado ou torturador sabe como poucas coisas são mais injustas do que o que ocorre nos porões de uma ditadura. É natural, portanto, que queiramos que justiça seja feita.
Mas justiça e verdade não são sinônimos. A verdade em um processo é apenas em relação aos fatos que estão no processo. Por outro lado, o que justiça e verdade têm em comum é que são válvulas para a catarse. Na primeira, através da punição; no segundo, através da ciência do que de fato ocorreu.
A Comissão da Verdade foi criada com o intuito de se descobrir a verdade, não de se fazer justiça.
Para que justiça seja feita, seria preciso um devido processo legal, no qual as testemunhas e réus fossem tratados de formas distintas, com proteção dada ao segundo grupo, e obrigações do primeiro grupo que seriam inexigíveis do segundo. Dentre elas, e talvez a principal, a obrigação de dizer a verdade.
Em um processo no qual se busca aplicar a justiça, réus não têm a obrigação de dizer a verdade porque não são obrigados a constituírem provas contra si mesmos.
Mas o objetivo da Comissão da Verdade é justamente o oposto: apurar a verdade de todos, ainda que para isso ela - e todos nós - tenhamos que renunciar ao direito de usar tal verdade para tentar fazer justiça.
É uma escolha social tão legítima quanto a opção oposta: renunciar à possibilidade de se saber a verdade em nome de se fazer justiça.
Onde as coisas se complicam é quando mudamos as regras do jogo depois de ele ter iniciado, porque perdemos o respeito pela autoridade da lei. Da próxima vez, não acreditaremos no que a lei disser e corremos o risco de ficarmos sem justiça e sem saber a verdade. Que é justamente o que ocorre nas ditaduras.