“Auditor diz que 'é difícil' devolver dinheiro de fraude no ISS
O auditor Luís Alexandre Cardoso de Magalhães, um dos pivôs do escândalo da máfia do ISS em São Paulo, disse em entrevista ao ‘Fantástico’, da TV Globo, que acha difícil devolver aos cofres públicos a propina que recebia no esquema.
Cálculos iniciais apontam que o caso pode ter provocado rombo de R$ 500 milhões na Prefeitura de São Paulo.
Magalhães, que fez acordo de delação premiada com o Ministério Público, confirmou que gastava altas somas com viagens e garotas de programa, além de carros e um barco de R$ 500 mil.
Disse ter gasto muito dinheiro com prostitutas caras. ‘Paguei a determinada pessoa que saiu em capa de revista R$ 5.000.’
Mesmo com as despesas, em nove anos, ele, suas empresas e sua esposa acumularam R$ 19 milhões em imóveis e itens de luxo, segundo o Ministério Público.
Perguntado se poderia devolver a propina, respondeu: ‘Não dá para fazer isso. Só se eu bater na porta de um monte de meninas por aí e tentar devolver’”
Deixando de lado o debate sobre a moralidade de ficar casada com ou deixar-se manter por alguém que sabe que é criminoso, que crime comete quem, sem ser o corrupto, ladrão, etc, se beneficia de bens comprados ou serviços pagos com o dinheiro do crime? Por exemplo, que crime comete a esposa que, sabendo que o marido é corrupto, desfruta conscientemente dos bens comprados com o dinheiro da propina?
Nosso Código Penal diz que é crime de receptação “adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime”. E ele diz que é o mesmo crime “receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminos”.
Mas o imóvel comprado com o dinheiro da propina ou o jantar pago com o dinheiro do furto não são produtos do crime. Os produtos de um furto ou corrupção, é o dinheiro furtado ou a propina recebida. Logo, a esposa que sabe o marido é corrupto não está cometendo receptação se o marido compra uma joia e a presenteia com tal joia.
Mas isso não quer dizer que ela poderá continuar usufruindo dos bens comprados com os frutos do crime. Isso porque, como ela não pagou nada por aqueles bens, e aqueles bens foram comprados com dinheiro de origem criminosa, a Justiça tentará reestabelecer o equilíbrio, ou seja, ao restaurar civilmente as partes à situação que existia antes de o crime ser cometido, os bens adquiridos com o fruto do crime voltam à vítima, seja ela a sociedade ou um ou mais indivíduos específicos. A esposa de nosso exemplo, ao perder os bens, volta à situação na qual estava antes de o crime ser cometido. Ao ter sua joia penhorada pela Justiça para reparar a vítima, ela não perde nada que já tinha antes de o crime ser cometido.
Mas e a prostituta a quem o corrupto diz que o dinheiro com o qual a está pagando é fruto de propina?
Aqui o dinheiro é o fruto do crime e o corrupto disse claramente que ele era fruto do crime. Nesse caso boa parte dos juristas tendem a dizer que há receptação pois, afinal, ela está recebendo algo que sabe ser produto de crime (alguns juristas debatem se dinheiro é ‘coisa’ (no sentido de ser objeto), e defendem que seria receptação apenas se ela recebesse um objeto/coisa, como o relógio roubado pelo ladrão).
A regra que os juristas geralmente seguem nesses casos é que a prostituta (ou cônjuge que recebe o dinheiro) terá cometido receptação se sabia que o dinheiro era fruto de crime e que ela sabia que o cliente ou esposo não tinha condição de dar aquele dinheiro exceto se o dinheiro fosse fruto de crime.
Essa segunda parte existe porque dinheiro é algo fungível. O dinheiro que entra na conta ou no bolso de alguém via crime é tecnicamente substituível e de fácil confusão com dinheiro lícito. Logo, o criminoso que tem dinheiro ‘limpo’ e ‘sujo’ no bolso ou no banco poderia estar pagando a prostituta tanto com a parte ‘limpa’ como com a parte ‘suja’. Na dúvida, a prostituta não estaria praticando receptação. Mas se ele não tinha condição de pagar sem o dinheiro do crime, ele necessariamente estará usando dinheiro ‘sujo’ e, nesse caso, a prostituta estaria cometendo crime.
Mas juristas realmente perdem tempo debatendo se a prostituta pratica receptação ao fazer programa?
Não. Ao menos a maior parte dos juristas, não.
Mas há um outro grupo de prestadores de serviços que lida com criminosos com frequência: advogados. E o debate é idêntico. O advogado que recebe dinheiro do corrupto para defendê-lo está praticando receptação? A resposta é a mesma: ele comete receptação apenas se sabia que o dinheiro era fruto de crime e que o cliente não teria condição de pagá-lo exceto usando o dinheiro do crime.