“A empresa Power Balance foi obrigada, na Austrália, a desmentir publicamente os supostos efeitos terapêuticos de suas pulseiras e a garantir o reembolso a consumidores que se sentirem lesados pela propaganda enganosa.
Em 22 de dezembro, a empresa assinou um termo com o órgão de defesa do consumidor daquele país e se comprometeu a negar a existência de evidências científicas de seus benefícios.
A filial australiana da Power Balance, cuja sede é nos EUA, já postou essas informações no site oficial e prometeu que os clientes insatisfeitos têm até 30 de junho para pedir reembolso.
Em novembro, a empresa foi multada em 15 mil euros (R$ 33 mil) na Espanha por fazer propaganda enganosa. No mês seguinte, a Power Balance foi multada em 300 mil euros (R$ 663 mil), na Itália.
Os braceletes ganharam fama depois de serem vistos nos pulsos de jogadores de futebol como David Beckham e Cristiano Ronaldo, além dos atores Leonardo Di Caprio e Robert De Niro e do piloto Rubens Barrichello.
O tricampeão capixaba de surfe Diogo Leão, 29, diz que não tira a pulseira nem para dormir e que continua usando, mesmo com a polêmica.
‘Quando faço algumas manobras de rotação, sinto que meu peso fica mais equilibrado na prancha', diz ele, que usa o bracelete há mais de um ano. 'Não sei se o efeito é psicológico, mas para mim tem dado certo.’
A fabricante diz que os hologramas da pulseira melhoram o fluxo de energia do corpo, aumentando a força, o equilíbrio e a flexibilidade.
Leandro Tessler, professor de física da Unicamp, desmente esses benefícios. ‘A interação de um holograma com corpo é só visual, mas não interfere na energia.’
Segundo ele, as pulseiras podem ter efeito placebo. ‘Você se convence e pode até se sentir melhor, mas não há evidência científica comprovando o funcionamento.’
O reembolso para consumidores lesados só vale para os australianos. No Brasil, a empresa não foi obrigada a adotar essa medida, mas a publicidade dos efeitos terapêuticos está proibida desde 3 de setembro por ordem da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).”
Essa matéria serve para ilustrar algo muito importante sobre o direito (e democracia): a quem a lei protege.
Repare que no último parágrafo a matéria diz que o reembolso só vale para os australianos. Na verdade, ele só vale para quem comprou o produto na Austrália, não importa se a pessoa era australiana ou não. A nacionalidade é irrelevante.
Um princípio básico de direito internacional é a soberania dos países. Esse princípio garante que cada país é responsável pela aplicação de suas leis em seu território. É por isso que na Arábia Saudita um homem pode casar com mais de uma mulher ao mesmo tempo, nos EUA alguém pode ser condenado à prisão perpétua, e no Brasil mulheres não podem abortar. Cada um desses três países está aplicando suas próprias leis em seu próprio território. Uma brasileira pode abortar nos EUA, um saudita não pode casar com mais de uma mulher nos EUA, e um americano não pode ser condenado à prisão perpétua no Brasil. Por que? Porque, embora sejam nacionais de um outro país, estão sujeitos às leis do país no qual se encontram. Quando uma pessoa - física ou jurídica - entra no território de um outro país, ainda que apenas temporariamente, ela se submete às leis daquele país.
Se um brasileiro cometer um crime nos EUA, ele será julgado pelas leis de lá e pela justiça de lá. É o que os juristas chamam de jurisdição, que nada mais é do que o poder de julgar e aplicar a lei naquele território. Cada país tem jurisdição sobre seu território. Se mais de um país tenta ter jurisdição sobre o mesmo território, temos um conflito diplomático ou militar (guerra).
No caso da matéria acima, a justiça australiana decidiu que, de acordo com as leis australianas, a propaganda do produto estava irregular e que os consumidores lesados têm direito ao reembolso. Mas como a justiça australiana só tem jurisdição no território da Austrália, a sua decisão só é válida naquele país. Mas isso não quer dizer que sua decisão só vá beneficiar os australianos. Um australiano que comprou o produto nos EUA não vai se beneficiar da decisão (pois a decisão australiana não tem validade fora de seu território), e um brasileiro que comprou o produto na Austrália poderá, sim, ser ressarcido. Desde que exija seus direitos lá, pois a justiça brasileira não tem nada a ver com a decisão tomada pela justiça australiana.
Parece uma bobagem semântica, mas não podemos esquecer que um quarto dos 21 milhões de habitantes da Austrália nasceram fora do país, além de outros 5 milhões de turistas visitando o país todos os anos (número parecido ao de turistas visitando o Brasil, aliás). Da mesma forma que a lei australiana protege quem estiver no território australiano, a nossa lei protege quem está em nosso território, não importando sua nacionalidade.