“Coreia do Norte diz estar em 'estado de guerra' com o Sul
O governo da Coreia do Norte anunciou ontem à noite que está em "estado de guerra" com a Coreia do Sul e que negociará todo assunto entre os dois países com base nessa condição.
As duas Coreias estão tecnicamente em guerra desde 1950, já que não houve um tratado de paz encerrando a Guerra da Coreia, apenas um armistício, em 1953.
Pyongyang tem elevado o tom de sua retórica belicista desde janeiro, quando a ONU ampliou as sanções que afetam o país. Neste mês, a Coreia do Norte já havia declarado inválido o armistício com a Coreia do Sul. Seul respondeu que a trégua continuava vigente e que não poderia ser anulada unilateralmente.”
Do ponto de vista político e militar, a retórica norte-coreana passou a ser muito mais violenta e perigosa. Mas do ponto de vista jurídico, nada mudou.
Isso porque as duas Coreias, juridicamente, estão em estado de guerra desde 1950. Elas jamais assinaram um acordo de paz. Há apenas um armistício. Ou seja, a guerra foi suspensa em 27 de julho de 1953, mas não foi encerrada.
Em um tratado de paz quase sempre ao menos um dos beligerantes reconhece sua derrota. E mesmo que não reconheça, as partes encerram os confrontos, reestabelecem as novas regras de suas relações, pagam reparações (indenizações) causadas pelo conflito, trocam prisioneiros etc. E, o mais importante, voltam à paz, fazendo com que as reconhecendo mutuamente seus direitos e obrigações em relação, que foi justamente a causa da guerra (guerras começam sempre quando um ou mais país ou governo não reconhece os direitos de outro(s)).
Ao estabelecer e/ou reconhecer os direitos e obrigações recíprocos, o tratado de paz põe fim ao estado de guerra. Ou você está em estado de paz ou você está em estado de guerra.
Já no armistício os lados beligerantes ainda permanecem em estado de guerra. Ele é apenas um acordo formal para encerrar as hostilidades. É como um cessar-fogo, mas de caráter contínuo.
No caso das duas Coreias, o armistício estabeleceu a zona desmilitarizada, cessou as hostilidades, recolheu as tropas para seus respectivos lados da zona desmilitarizada, criou a Comissão de Armistício Militar responsável pela supervisão do acordo, estabeleceu como, quando e onde os presos de guerra seriam trocados etc. Mas não colocou fim à guerra. Ambas as Coreias ainda negam os direitos da ‘outra Coreia’, e negam suas obrigações em relação a ela.
Quase sempre armistícios levam a tratados de paz porque o passar do tempo faz com que países, governos e sociedades se acostumem com as novas regras do jogo, e essas regras são simplesmente transformadas em algo não só contínuo (armistício) mas também intencionalmente permanente (tratado de paz). Mas, como o caso das Coreias mostra, nem sempre isso ocorre.
PS: No texto acima usamos o termo ‘duas Coreias’ acima para simplificar a explicação, mas, na verdade, o armistício é entre o comando militar da Coreia do Norte e o comando militar da ONU. Isso porque uma das razões de ainda não haver um tratado de paz é justamente porque a Coreia do Norte não reconhece a existência de uma ‘segunda’ Coreia, e vice-versa. Ou seja, o norte não reconhece o direito da Coreia do Sul existir. Logo, se um país não reconhece a existência do outro, não há como ambos assinarem um tratado.
PPS: Os termos acordo e tratado de paz são quase sempre usados como se fossem sinônimos. Do ponto de vista técnico, acordo é uma palavra genérica, enquanto tratado, segundo a Convenção de Genebra sobre as Regras dos Tratados, é um acordo escrito entre Estados e governado pelas leis internacionais. Ou seja, tratado é uma espécie da qual acordo é o gênero.
O texto completo do armistício na Guerra da Coreia está aqui (em inglês).