“Professora é acusada de punir alunas que vão a aula
Uma professora de português em Taubaté (SP) mandou duas alunas do 9º ano fazerem exercícios físicos por terem ido à escola após o feriado de 1º de Maio, segundo as garotas.
De acordo com os pais de uma das meninas, a professora chamou as alunas de ‘trouxas’ e disse para elas irem ao pátio fazer abdominais, flexões e polichinelos no último dia 3.
O feriado caiu em uma terça-feira. No dia seguinte, não haveria aula devido a uma reunião de pais. A maior parte da turma das garotas decidiu, então, faltar nos dois dias restantes, mas elas foram à escola, dizem os pais.
‘Imagine uma menina de 14 anos fazendo isso [exercícios] no meio da escola em meio aos professores caçoando delas’, disse o pai de uma das alunas da escola municipal Ernani Giannico.
‘Foram exercícios pesados para uma adolescente. Minha filha e a amiga dela não conseguiram ir no dia seguinte à escola, estavam com dores no corpo’, disse o pai, que é PM.
Na segunda-feira seguinte, diz ele, a professora contou sobre o castigo aos outros colegas, no meio da aula, e disse que daria falta para quem fosse à escola em dias próximos a feriados”
O art. 319 do Código Penal diz que é crime de prevaricação “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício (...) para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”, e o art. 11, inciso II, da Lei 8.429/92 diz que é improbidade administrativa a “ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente (...) retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”.
Isso significa que o servidor público que deixa de cumprir suas funções (ato administrativo) sem que haja interferência de terceiros (o que seria corrupção passiva ou concussão), pode estar praticando prevaricação ou improbidade administrativa. Em ambos os casos, apenas um servidor público pode ser o réu. Além disso, é necessário que o servidor soubesse e quisesse retardar ou deixar de praticar sua obrigação (ou seja, é necessário que ele tenha agido dolosamente).
Ambas as leis falam ‘ato de ofício’, que nada mais é do que aquilo que o servidor público deve fazer independente de um pedido. Por exemplo, se o servidor tem a obrigação de multar, esse é um ato de ofício. Mas escolher uma determinada construtora para uma obra não é ato de ofício porque isso não é algo que o servidor faz independente de pedido: precisa haver uma concorrência e a construtora precisa ter vencido tal concorrência.
Dar aula é uma obrigação da servidora que independente do pedido da aluna. Logo, é um ato de ofício.
Ambas as leis também falam em ‘retardar’ ou ‘deixar de praticar’. ‘Retardar’ significa postergar, ou seja, é ainda possível fazer algo, mas esse ‘algo’ será feito depois do que deveria ter sido, enquanto ‘deixar de praticar’ significa que se torna impossível fazer aquele ‘algo’. Às vezes – ou quase sempre – é difícil distinguir esses dois tipos de omissões na prática. Por isso a lei inclui os dois. No caso da matéria acima, não importa se a mesma aula pode ainda ser dada em outro dia (retardada) ou se nunca mais poderá ser dada.
Além disso, o retardamento ou omissão devem ser indevidos. Ou seja, devem ser ilegais ou de alguma outra forma fora dos padrões. No caso da matéria acima, a professora foi paga para dar a aula de português, mas não deu.
Quer dizer que prevaricação e improbidade administrativa cobrem a mesma conduta?
Há uma diferença importante entre elas: para que haja prevaricação, o servidor precisar se omitir “para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”, enquanto para haver a improbidade administrativa não é necessário olhar a motivação do servidor: basta que ele se omita.
O interesse do servidor na prevaricação pode ser tanto abstrato quanto concreto. Se ele retarda um alvará para ter tempo de comprar o terreno vizinho e se beneficiar da valorização, esse é um interesse material (patrimonial). Se ele deixa de multar um partido político porque apoia seus candidatos, esse é um interesse abstrato (moral).
A lei também pune se ele deixou de agir por "sentimento pessoal". Se ele deixa de multar a creche porque tem pena das crianças, esse é um sentimento pessoal. Óbvio que, na hora de aplicar a pena, o juiz vai levar a motivação em conta para aplicar uma pena maior nos casos do alvará e do partido político, e uma pena menor no caso da creche, mas o fato de ele se omitir por causa de um sentimento de caridade não faz com que o crime deixe de ser crime (é o mesmo caso da eutanásia).
Se o servidor deixar de fazer algo por interferência de terceiros, ele estará praticando a corrupção passiva (ou, se ele exigiu uma vantagem indevida, será o caso de concussão).
Entre os juristas há um debate se comodismo e preguiça são ‘sentimentos pessoais’. Se o magistrado achar que são, o caso da matéria acima será de prevaricação. Se achar que não são, poderá ser improbidade administrativa.
Mas a vingança também é um sentimento pessoal. A professora, no caso acima, não deixou de dar aula apenas por preguiça, mas por vingança. No caso de vingança, não há dúvida entre os juristas: é prevaricação.
O art. 319 do Código Penal também diz que é prevaricação pratica um ato de ofício “contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Ou seja, a lei proíbe, mas o servidor faz aquilo que é proibido para satisfazer seu interesse ou sentimento pessoal; ou a lei diz que ele deve agir de determina maneira e ele age de outra, pelas mesmas razões. Logo, prevaricação não é apenas se omitir, mas também agir contra a lei.
PS: Na matéria acima, a professora obrigou as crianças a fazerem exercícios físicos na frente de outros professores como punição. O art. 4º, alínea ‘b’ da Lei 4.898/65 diz que é abuso de autoridade “submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei”. Pode parecer estranho na cultura brasileira de hoje, mas uma professora é autoridade. Diz o art. 5º da mesma lei que “considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração”. E as crianças, enquanto estão na escolar, estão sob a guarda do professor.