“Rapaz bate Mercedes a 140 km/h e morre
Um estudante que dirigia uma Mercedes-Benz a 140 km/h morreu na madrugada de ontem após perder o controle do veículo, bater em um muro, capotar várias vezes e só parar depois de atingir um carro da Polícia Militar.
O acidente ocorreu por volta da 1h, na marginal Pinheiros, na pista sentido Interlagos, em São Paulo. A namorada do estudante e dois policiais que estavam ao lado do carro da corporação, estacionado no local, se feriram.
O jovem foi arremessado do carro após a batida e morreu na hora. Ele estava sem o cinto de segurança. Patrick Fiks Brukirer Fajer, 20, levava a namorada Jéssica Maria de Carvalho Pinho, 20, para casa após terem ido passear em um shopping da zona sul da cidade (…)
Segundo ela, ele estava a 140 km/h. Em depoimento, ela disse que o estudante respondeu que estava acostumado a dirigir em alta velocidade e que ela não deveria se preocupar.
Ainda de acordo com relato da namorada, o estudante perdeu o controle do carro enquanto pegava uma carteira que estava em seu bolso (…)Segundo a namorada, o estudante bebeu duas garrafas de vinho antes de dirigir (…)
O caso foi registrado no 89º DP (Portal do Morumbi) e encaminhado para o 34º DP (Vila Sônia). A polícia espera o resultado de um laudo necroscópico para apurar as causas do acidente”.
Ao contrário do que a matéria diz, o laudo necroscópico vai apurar a causa da morte do estudante, e não a causa do acidente. O laudo necroscópico é o que no dia a dia chamamos de laudo do IML (Instituto Médico Legal). Nele o médico responsável pela autópsia investiga como e por que a pessoa morreu. O termo ‘laudo do IML’ é um termo genérico e pode se referir a alguns dos outros laudos feitos no IML, como o de corpo delito ou de exumação de um cadáver.
Quando um crime ocorre, vários tipos de exames podem ou devem ser feitos para se investigar as circunstâncias e a autoria do crime ou para se verificar a culpa de alguém.
Pode-se, por exemplo, fazer a perícia do local do crime, na qual os peritos (os ‘cientistas’) tentam desvendar como o crime ocorreu através da análise do que encontram no local do crime e como o local está. É a mesma coisa que um pai que chega no quarto dos filhos e encontra as paredes rabiscadas: ele não viu quem rabiscou a parede, mas analisando o local, ele consegue concluir que foi o filho mais velho porque o filho mais novo não conseguiria rabiscar naquela altura. Quem faz esses exames não são médicos, mas outros profissionais com a formação científica adequada (para quem acompanha seriados de TV, reparem na séria C.S.I. os personagens principais fazem exames do local do crime, mas o exame dos mortos é feito pelo médico legista e seu assistente. Mas cuidado com comparações diretas porque o sistema nos EUA é diferente do sistema brasileiro, e lá existe o coroner, que não existe no Brasil, e cuja a função é investigar mortes violentas, súbitas ou ainda sem explicação).
Dependendo do exame a ser feito, ele pode ser feito no local do crime ou em um laboratório. Pode ser feito por um profissional generalista ou por um profissional especializado. Por exemplo, o exame grafotécnico é aquele em que se verifica a escrita ou assinatura. Nele, o perito diz, por exemplo, se a assinatura em um documento é falsa ou se a escrita no bilhete de resgate é semelhante à escrita do caseiro suspeito de ter sequestrado a criança Já a documentoscopia é aquele exame no qual se verifica se o documento foi falsificado ou se ele foi feito quando se diz que foi feito. Outros exemplos são os exames de balística (quando se compara armas e/ou balas utilizadas) e os diversos exames relativos às gravações de áudio e vídeo, como a identificação de voz, autenticidade das gravações, filtragem e processamento das gravações para se melhorar sua qualidade ou distinguir algo em seu conteúdo. Outro tipo de laudo técnico que encontramos com alguma frequência são os feitos por engenheiros a respeito de uma obra.
Mas, como na matéria acima, nem todo exame é feito nos objetos relacionados ao crime. Às vezes eles são feitos em corpos e pessoas.
Por exemplo, s laudos necroscópicos, como o descrito na matéria acima, nos quais a investigação é feita no corpo do morto e não no local do crime. É como se o corpo do morto fosse o ‘local’ do crime. A pessoa foi sufocada, envenenada, ou foi só mais um ataque cardíaco? Quantos tiros a pessoa levou? Os tiros foram dados à queima-roupa, em legítima defesa ou pelas costas? A faca usada tinha 10 ou 20 centímetros? Tudo isso, muitas vezes, consegue ser respondido através da análise do corpo do morto. Se as causas da morte são muito óbvias, o médico legista (ou seu auxiliar) não precisam abrir o cadáver. Caso contrário, ele será aberto, independente da aceitação da família.
Já se a pessoa não morreu, o médico não pode, obviamente, abrir a vítima para ver o que aconteceu, mas ainda assim é possível descobrir várias coisas a respeito do crime através da análise do corpo da pessoa. No exame de corpo delito, os médicos podem, por exemplo, dizer se a vítima foi estuprada como alega ter sido, coletar esperma deixado pelo estuprador para comparação de DNA, verificar se o suspeito ainda tem pólvora na mão, se o filho apresenta hematomas típicos de uma agressão cometida por um adulto etc.
Outro exame que ouvimos falar com alguma frequência é o cadavérico, que ocorre quando há a exumação do cadáver já enterrado. O cadáver pode ser exumado quando suspeita-se que a causa ou circunstância de sua morte é diferente daquela que se tinha em mente quando ele foi inicialmente enterrado. Achava-se que ele havia morrido de um ataque cardíaco, mas desde então descobriu-se que sua viúva envenenou outros dois ex-maridos para ficar com a herança. Será se ela o envenenou também? Através do exame cadavérico é possível detectar alguns tipos de substâncias naquela cadáver.
Com exceção do exame de corpo de delito, todos os demais dependem da vontade do magistrado ou da polícia, que pode simplesmente se negarem a autorizar sua realização se não acharem que são relevantes para o caso. No caso da matéria acima, o exame será feito porque precisa-se saber (a) o que realmente o matou (por exemplo, ele estava vivo quando ocorreu o acidente?) e (b) se ele de fato estava alcoolizado (e, se sim, quão alcoolizado ele estava) no momento do acidente. O exame é importante porque, até agora, apenas as três vítimas dos acidente (os dois policiais e a namorada) deram suas versões, e como toda e qualquer vítima/testemunha, suas percepções da realidade podem ter sido distorcida por suas emoções, pelas circunstâncias ou intencionalmente. Reparem, por exemplo, que a matéria diz “o jovem foi arremessado do carro após a batida e morreu na hora”. A reportagem não estava no local do crime, logo ela se baseou no que as vítimas disseram, mas isso, obviamente, não quer dizer que foi exatamente isso que aconteceu. Só o exame necroscópico poderá dizer quando ele morreu. A mesma coisa em relação ao título da matéria. Somente o laudo da perícia poderá determinar a velocidade antes do acidente.