“Homem forja assassinato com ketchup
Um suposto roubo levou a polícia a descobrir um caso de assassinato forjado em Pindobaçu (BA). Segundo a Polícia Civil, o homem que havia sido contratado para o crime desistiu do assassinato, cobriu com ketchup o corpo da mulher que seria sua vítima e ficou com os R$ 1.000 pagos pelo serviço.
Segundo a Polícia Civil, Maria Nilza Pereira Simões procurou a delegacia no dia 24 de junho e afirmou que Carlos Roberto Alves de Jesus havia roubado R$ 1.000 dela.
Porém, ao investigar o caso, a polícia descobriu que o homem foi contratado pela própria Maria Nilza para assassinar a suposta amante de seu marido, Erenildes Aguiar Araujo, conhecida como Lupita.
O rapaz, que é ex-presidiário, desistiu do crime ao descobrir que a mulher era sua amiga. Entretanto, para não perder o dinheiro, forjou o assassinato (…)
Maria Nilza é acusada de ser a mandante do crime. Carlos Roberto Alves de Jesus é acusado de extorsão e a mulher que seria assassinada é suspeita de coparticipação”
Até que haja um sentença transitada em julgado não sabemos se os fatos alegados na matéria são verdadeiros, mas, para efeitos didáticos, vamos imaginar que sejam:
O crime encomendado era um homicídio (não existe o crime de assassinato no Brasil). Mas o crime não aconteceu. Mas não houve crime não porque a mandante tenha mudado de idéia, mas porque o executor do crime mudou de idéia. Logo, há duas coisas que precisamos separar:
Primeiro, quem encomendou o crime fez tudo que era necessário para consumar sua parte no crime: planejou o crime, ‘contratou’ o outro criminoso e o pagou. Se o seu ‘contratado’ houvesse cometido o crime, ela responderia como coautora. Mas ela não pode responder como coautora de um crime que não aconteceu. O que pode acontecer é responder como coautora em uma tentativa de homicídio. Afinal, ela tentou. O crime só não aconteceu por uma razão além de seu controle (o outro coautor desistiu de cometer o crime).
Já o outro coautor não vai responder pela tentativa de homicídio, já que ele desistiu voluntariamente de praticar o crime. É o que em direito chamamos de desistência voluntária, e nesses casos ele só responde pelos crimes que já houver cometido até o momento de sua desistência (por exemplo, pelo porte ilegal de arma). Mas o fato de ele ter desistido não quer dizer que ela tenha desistido. Ela continua responsável pelo que fez. O problema para a justiça vai ser decidir se o que ela fez, de fato, pode ser considerado parte da preparação de um homicídio.
O segundo ponto é que não houve um contrato entre eles. Ao menos, não um que seja reconhecido pela lei. Para nosso Código Penal, apenas contratos que tratam de assuntos legais é que podem ser reconhecidos pela justiça. Se você dá toda sua fortuna para um traficante para que ele te venda drogas, mas ele depois se recusa a entrega-las a você, você não pode ir à justiça reclamar a quebra do contrato porque venda de drogas é ilegal. A mesma coisa se você pagar a alguém para te ajudar a morrer. Ou, como no caso acima, quando você contrata alguém para matar a amante de seu cônjuge. Logo, o dinheiro que ela pagou está perdido.
Como ela não poderia ir à justiça reclamar a quebra do contrato, ela foi à polícia alegando que o dinheiro foi roubado. Só que nesse momento ela cometeu um segundo crime: a denunciação caluniosa. Informar à polícia que alguém cometeu um crime que não cometeu é um crime contra a administração de justiça. Você está atrasando todas as outras investigações, fazendo com que a polícia perca tempo investigando algo que não existiu.
E ela pode ter cometido um terceiro crime: a calúnia (calúnia e denunciação caluniosa são crimes muito diferentes, embora os nomes sejam semelhantes). A calúnia é ofender a honra de alguém dizendo, mentirosamente, que ele cometeu um crime que não cometeu. Na matéria acima, se o coautor que ela contratou para matar a vítima não roubo seu dinheiro. Logo, se ela diz roubou e ele se sente ofendido com isso, ela o caluniou.
E por que o coautor e a suposta vítima estão sendo acusados de extorsão e participação na extorsão? Isso não dá para saber lendo a matéria porque fingir que morreu para alguém que queria te matar ou fingir que matou para alguém que te contratou para matar alguém não é extorsão. Na verdade, não há crime algum nisso.
Extorsão é forçar alguém a fazer ou deixar de fazer algum coisa, mediante violência ou grave ameaça, e com a finalidade de obter alguma vantagem econômica. E nada do que foi descrito na matéria é extorsão. Extorsão poderia acontecer, por exemplo, se eles houvessem exigido dinheiro da mandante para não avisar a polícia que ela o contratou para matar a vítima.
PS: Não existe coparticipação. Ou a pessoa é coautora (quando sua participação é mais relevante) ou é partícipe (quando sua participação é menor).