“Assange pede asilo político ao Equador
Julian Assange, 40, fundador e líder da organização WikiLeaks, que ganhou notoriedade ao divulgar na internet documentos diplomáticos e vídeos confidenciais do governo dos EUA, solicitou ontem asilo político ao Equador e se refugiou na embaixada do país em Londres.
De acordo com o ministro das Relações Exteriores do Equador, Ricardo Patiño, o requerimento está sendo avaliado pelo governo. Assange permanecerá sob proteção da embaixada do país até que a questão seja resolvida (…)
O australiano travou longa batalha judicial no Reino Unido, onde vive e cumpria prisão domiciliar, mas esgotou todas as possibilidades de recurso sem conseguir reverter a decisão de extradição para a Suécia, país em que é acusado de estupro e violência sexual por duas mulheres (…)
Na carta ao presidente do Equador, Assange afirma que a perseguição que sofre ‘em diversos países deriva não só’ de suas ideias e ações, mas de seu ‘trabalho ao publicar informações que comprometem os poderosos, de publicar a verdade e, com isso, desmascarar corrupção e graves abusos aos direitos humanos ao redor do mundo’.
Assange não escolheu o Equador por acaso. Em 30 de novembro de 2010, o site da BBC noticiou que o vice-ministro de Relações Exteriores do Equador ofereceu domicílio ao ativista”
Antes de mais nada, temos que tomar cuidado com um falso cognato. Em inglês, refugee se refere tanto àqueles que estão sofrendo perseguição em seu país de origem devido à sua raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política, quanto aos apátridas (aquelas pessoas que por um vácuo da lei ou perseguição não são nacionais de nenhum país). Perseguição aqui é usado de forma ampla tanto para designar uma ação como uma inação, independente da origem: pode ser perseguição perpetrada pelo próprio governo, mas também por outros grupos, sem que o governo proteja o perseguido, ou mesmo a inação de um governo que não toma nenhuma atitude para proteger aquela pessoa que sabe estar vulnerável por conta de uma catástrofe natural ou econômica. Já o termo asylum-seeker (que significa algo como ‘aquele que procura asilo’) é a pessoa que alega ser refugiada mas cujo pedido ainda não foi analisado (aprovado/rejeitado). Logo, na matéria acima, a pessoa ainda é um asylum-seeker.
Já em português temos os termos apátrida (aquele que não tem nacionalidade), refugiado (aquele que é vítima de uma catástrofe natural em relação à qual o governo se vê incapaz de agir) e asilado político (aquele protegido pelo país hospedeiro por conta da perseguição sofrida no país de origem). No caso da matéria acima, portanto, ele pediu asilo político.
Pois bem, alguém pode pedir asilo político depois de chegar ao território do país hospedeiro (como os dois boxeadores cubano durante os jogos Pan-americanos de 2007), quando estão no território de um terceiro país (caso da matéria acima) ou quando ainda estão no território do país de origem (caso do advogado chinês ou do senador boliviano, ambos esse ano). E é nesses dois últimos casos que a coisa se complica.
Como já vimos aqui, embaixada e consulado não são territórios de outro país dentro do país hospedeiro (essa é apenas mais uma lenda urbana). Eles são invioláveis, ou seja, baseado no princípio da reciprocidade, o país hospedeiro não entra dentro do terreno da embaixada alheia, e o outro país dá o mesmo tratamento à embaixada do país hospedeiro em seu território.
Logo, quando o senador boliviano, o advogado chinês ou o ativista australiano pedem asilo político nas embaixadas brasileira na Bolívia, americana na China ou equatoriana na Inglaterra, eles estão protegidos enquanto estiverem dentro do terreno da embaixada. Afinal, o país hospedeiro sabe que se sua polícia entrar naquele terreno, suas embaixadas sofrerão retaliação pelo mundo afora.
Mas há dois problemas aqui: primeiro, o país da embaixada pode recusar a concessão do asilo. Nesse caso, a pessoa é posta pra fora da embaixada e fica à mercê do governo local. E, segundo, mesmo que o asilo seja concedido, aquela pessoa entrou na embaixada justamente como uma forma de buscar liberdade. Ela não quer ficar ‘presa’ dentro da embaixada para o resto da vida: ela quer ir para o país da embaixada. Só que para chegar lá, ela terá de se locomover fisicamente, seja para chegar ao aeroporto, seja para ir a um porto ou mesmo dirigir, pedalar ou andar até a fronteira. E isso envolve ter de sair fisicamente da embaixada. Mas, como acabamos de ver, tão logo ela saia da embaixada, ela está à mercê do governo local. No caso da matéria acima, por exemplo, tão logo ele saia da embaixada, o governo britânico poderá prendê-lo e extraditá-lo para a Suécia.
O que fazer então?
Aí entra a negociação política entre o país da embaixada e o país hospedeiro/governo local. Na prática, o governo local normalmente concede um salvo-conduto (chamado no mundo diplomático de laisser-passer) para que a pessoa possa sair do país sem ser importunada. Mas o governo, obviamente, não é obrigado a conceder tal documento, o que pode privar o asilado da liberdade que almejava e ficar ‘preso’ dentro da embaixada por muito tempo (como aconteceu com o ex-presidente de Honduras na embaixada brasileira). Pior: dependendo das condições da embaixada, o governo que concedeu o asilo pode se ver obrigado a rever a concessão e ordenar que o até então asilado saia de sua embaixada.