“O Itamaraty concedeu passaporte diplomático a dois filhos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a dois dias do fim do mandato.
Segundo entendimento do órgão, dependentes de autoridades podem receber o documento até os 21 anos (24, no caso de estudantes, ou em qualquer idade se forem portadores de deficiência).
Luís Cláudio Lula da Silva, 25, e Marcos Cláudio Lula da Silva, 39, filhos do presidente, gozam de perfeita saúde e obtiveram o documento em 29 de dezembro de 2010, penúltimo dia útil da era Lula.
Questionado, o Itamaraty, disse que ambos já tinham o passaporte especial e tratava-se de uma renovação.
A Folha teve acesso à decisão que beneficiou os filhos de Lula. Ela cita que foi ‘em caráter excepcional’ e ‘em função de interesse do país’, mas não apresenta justificativa para a concessão.
Integrantes do corpo diplomático ouvidos pela reportagem, na condição de anonimato, afirmam que a decisão provocou mal-estar dentro do Itamaraty, já que o ex-chanceler Celso Amorim recorreu ao parágrafo 3º do decreto 5.978/2006, que regulamenta a concessão do documento e garante ao ministro o poder de autorizar a expedição ‘em função de interesse do país’.
A Folha apurou que Lula pediu o benefício pouco antes do fim do mandato.
Pelo decreto, o passaporte diplomático é concedido a presidentes, vices, ministros de Estado, parlamentares, chefes de missões diplomáticas, ministros dos tribunais superiores e ex-presidentes.
O artigo 1º do decreto diz o seguinte: ‘A concessão de passaporte diplomático ao cônjuge, companheiro ou companheira e aos dependentes das pessoas indicadas neste artigo será regulada pelo Ministério das Relações Exteriores’.
No caso dos filhos, a norma seguida pelo Itamaraty segue critério da Receita Federal para a definição de dependente (21 anos ou portador de deficiência). Este entendimento consta do site da própria instituição.
A validade do passaporte diplomático concedido aos dois filhos de Lula é de quatro anos, a contar da data de emissão. Assim, durante todo o governo de Dilma Rousseff, Luís Cláudio e Marcos Cláudio terão acesso à fila de entrada separada e com tratamento menos rígido nos países com os quais o Brasil tem relação diplomática.
Em alguns países que exigem visto, o passaporte diplomático o torna dispensável. O documento é tirado sem nenhum custo para a ‘autoridade’. Um passaporte normal custa em torno de R$ 190 para ser emitido”.
Essa matéria é interessante para ilustrar a importância de aprendermos como as normas são estruturadas.
Reparem que ela faz duas citações do mesmo decreto. Primeiro se refere ao “parágrafo 3º” e depois “artigo 1º”.
Mas olhando a norma, veremos que aquele decreto tem três parágrafos 3o. Um no artigo 6o, outro no artigo 20 e o último no artigo 38. A matéria não diz a qual dos três ela está se referindo. Sem a citação correta da lei, o leitor precisa ler a lei inteira para achar o parágrafo correto.
Olhando a norma novamente, vemos que o artigo 1o diz o seguinte: “Para efeito deste Regulamento, consideram-se documentos de viagem: I - passaporte; II - laissez-passer; III - autorização de retorno ao Brasil; IV - salvo-conduto; V - cédula de identidade civil ou documento estrangeiro equivalente, quando admitidos em tratados, acordos e outros atos internacionais; VI - certificado de membro de tripulação de transporte aéreo; VII - carteira de marítimo; e VIII - carteira de matrícula consular”. Contudo, não é isso que foi citado na matéria. O que aconteceu? Bem, a matéria, em vez de dizer algo como “parágrafo primeiro do artigo 6o”, ela simplesmente disse “artigo 1o”, somo se fosse a mesma coisa. Não é.
Todas as normas são divididas em artigos. E os artigos muitas vezes são subdivididos em parágrafos. Os parágrafos tratam de temas muito próximos ao que é tratado pelo caput [‘cabeça’] do artigo, mas que gerariam confusão de entendimento se fossem incluídos no caput.
No caso da matéria acima, os passaportes diplomáticos são tratados no artigo 6o do decreto que ela mencionou. Nesse artigo, ele estabelece doze classes de pessoas que podem ter o passaporte diplomático. Essas pessoas são enumeradas nos incisos (os incisos são usados justamente para isso: para fazer uma lista).
Os três parágrafos a seguir também falam do passaporte diplomático. O primeiro fala da concessão do passaporte aos familiares das pessoas enumeradas pelo artigo, e os outros dois sobre a concessão do mesmo tipo de passaporte a pessoas que não referidas nas doze classes citadas nos incisos.