“Mãe atropela filho na garagem de casa
Uma jovem de 24 anos provocou a morte de seu único filho, de 3 anos, na tarde de ontem em Franca, cidade a 400 km de São Paulo.
Segundo a polícia, a mulher manobrava o carro no quintal da casa enquanto o filho brincava com um velocípede.
A polícia suspeita que a jovem, que não tem habilitação, tenha perdido o controle ao dar ré e não tenha percebido que o filho estava atrás do carro. A criança foi prensada contra a parede. Casada, a mãe responderá em liberdade por homicídio culposo (sem intenção)”
Quando você mata alguém sem querer você comete um homicídio culposo, que é um crime menos grave do que o homicídio doloso porque você não tinha a intenção de matar nem assumiu o risco de fazê-lo. Mas isso também não quer dizer que foi um acidente. Se fosse apenas uma morte acidental, você não poderia ser punido (por exemplo, no caso de alguém que surge correndo na frente de um ônibus no meio de uma rodovia no meio da noite e acaba sendo atropelado).
No homicídio culposo você é punido porque agiu de forma negligente, imprudente ou não teve a perícia necessária para fazer o que quer que estivesse fazendo.
O caso da matéria acima é, a princípio, um exemplo de imprudência. A imprudência ocorre quando você não toma os cuidados básicos que um ser humano normal tomaria. Alguém manobrando o carro em uma garagem na qual uma criança está brincando deve tomar cuidado para não passar por cima dela. Isso é óbvio para qualquer pessoa normal. Se você não toma esse cuidado, você age com imprudência. Se você age com imprudência e mata alguém, você comete um homicídio culposo.
Aliás, existe entre os juristas um debate interessante sobre o que chamamos de análise objetiva e subjetiva. A análise objetiva é quando analisamos, por exemplo, se a pessoa agiu com imprudência de acordo com o que é esperado de uma 'pessoa normal'. Por exemplo, uma pessoa com inteligência e percepção comum (média) teria agido dessa mesma forma? Do ponto de vista dessa análise objetiva, não se leva em conta as particularidades daquele suspeito. Isso significa que a justiça não leva em conta se ele era um pouco mais distraído do que as demais pessoas ou um pouco mais inteligente. O que se leva em conta é o comportamento esperado de uma 'pessoa comum'. Já em uma análise subjetiva, leva-se em conta as particularidades do suspeito: ele era menos inteligente ou mais distraído do que as outras pessoas? Se sim, então a justiça deve trata-lo um pouco mais favoravelmente. No caso da análise objetiva, pessoas desiguais são tratadas de forma igual, o que não é muito justo, mas as regras sobre quando as pessoas serão punidas ficam claras. No caso da análise subjetiva, pessoas desiguais são tratadas de maneiras distintas, o que é mais justo, mas as regras sobre quando as pessoas serão punidas ficam bem menos claras.
Mas existe um outro detalhe interessante na matéria acima: note que a mãe não tinha carteira de motorista. Nesse caso, é possível também alegar que ao assumir o volante sem saber dirigir ela foi mais do que imprudente: ela assumiu o risco de causar uma tragédia. E quem assume o risco comete um crime muito mais grave: homicídio doloso. Para se ter uma idéia da diferença entre esses dois tipos de homicídios, no homicídio culposo a pena vai de 1 a 3 anos. No doloso, ela vai de 6 a 20 (e se for qualificado, chega a 30 anos).