Isso reforça a ilusão de que são opções mutuamente exclusivas. Mas a realidade é mais complexa.
As duas coisas podem acontecer juntas: uma sociedade na qual policiais e não-policiais que cometem crimes são igualmente punidos; e policiais e não-policiais vítimas de crimes são igualmente protegidos.
Ou podemos ter uma sociedade que deixa criminosos – de farda ou não – escaparem impunemente.
Tampouco deixar de punir policial que comete crime diminui a quantidade de crimes.
As correlações não são opostas, mas paralelas. Sociedades bem sucedidas na proteção de sua população punem criminosos independente de suas relações estatais, e não dependem da violência de seus agentes como método de proteção social. E sociedades que deixam de punir um, deixam de punir o outro.
E é aí que residem os perigos do debate de extremos.
Primeiro, ele justifica a instrumentalização da violência de agentes públicos como mecanismo de controle da paz social. Os meios justificando os fins.
Isso cria uma ilusão de dependência: só se está protegido se a sociedade tornar-se condescendente com a violência dos agentes estatais.
E mesmo se for verdade a curto prazo (e raramente é), isso gera resultados opostos a longo prazo: o agente que age fora das margens da lei não o faz como um agente público, mas privado. Ele faz e aplica a lei por conta própria. E, como tal, a condescendência com suas ações é um ativo que pertence apenas a ele, privado. E não ao Estado ou sociedade. E essa é a base para a criação de grupos paramilitares.
E, segundo, a vitimização do criminoso é igualmente perigosa porque dá a ele a áurea de inocência e cria uma falsa relação de causalidade.
Ele passa a ser o Robin Hood cujas ações - agora glorificadas - são justificadas pela causa que defende, invertendo a verdade dos fatos: ele é vítima por motivos que nada têm a ver com suas ações criminosas, mas porque – assim como suas vítimas – estava no lugar errado, na hora errada.
As falhas do Estado que levam o policial a tornar-se vítima da violência são as mesmas que levam o preso a tornar-se igualmente vítima. O debate não é se criminoso e policial são santos ou vítimas, mas se o Estado falha em seu dever de proteger a vítima e punir quem age fora da lei; e como corrigir isso.