A questão não é qual empresa ama mais seu cliente ou tem mais ética. A questão é a diferença entre os modelos de duas economias.
A Microsoft é uma empresa da economia tradicional: ela vende seu produto a você. Você compra e usa. Se o produto quebrar, você procura a assistência técnica, leva ao borracheiro ou compra outro. Você é o cliente e usuário ao mesmo tempo.
Já o Google (ou Facebook) é uma empresa da nova economia: ele vende seu serviço para agências de publicidade como uma rede de TV vende espaço comercial. E as agências compram o espaço porque ele tem uma audiência cativa. Você é o usuário, não o cliente. Você está para o Google como a vaquinha está para o fazendeiro: o cliente é a fábrica de laticínio. Você é o meio através do qual ele ganha dinheiro. Mas porque ele depende de você como fonte de renda, ele te trata bem.
Mas é aí que estão algumas diferenças fundamentais: se o Outlook tem problema, a sua transação comercial com a Microsoft já foi concluída. Você que se vire. Mas se o Gmail sai do ar, o Google perde dinheiro porque você não vai estar utilizando o sistema de propaganda da empresa por minutos, horas ou dias. Em termos de Google, isso significa milhões e até bilhões de dólares em perdas. O Google tem um incentivo econômico para resolver o problema rapidamente. A Microsoft, não.
Mas isso quer dizer que a nova economia é melhor para você? Não, significa apenas que a alocação de incentivos funciona de forma diferente.
Se por um lado empresas como Google e Facebook têm incentivos para resolverem problemas que tiram seus serviços de publicidade do ar, por outro existe um problema em ser a vaquinha do fazendeiro: a lealdade dele é em relação ao cliente – a fábrica de laticínio ou, no caso das empresas de nova tecnologia, as empresas que compram espaço – e não a você. Suas informações pessoais – embora de forma agregada com as de milhões de outros usuários – é a base desse modelo econômico. E seus dados estão em servidores fora de seu controle e quase sempre sob jurisdição de países dos quais você não é cidadão e muitas vezes acessíveis a governos daqueles países.
Nossas leis atuais foram feitas para a velha economia. Elas funcionam em modelos como o da Microsoft ou da pastelaria da esquina. Elas não funcionam ou estão preparadas para lidar com s especificidades do novo modelo econômico. Até que nossos legisladores resolvam esse quebra-cabeça, continuaremos usando saca-rolhas jurídicos para abrir latas de cerveja.
PS: Voltando aos e-mails, quando você usa um sistema de email na nuvem (Gmail, Hotmail, Facebook e Yahoo, por exemplo), o conteúdo desses e-mails fica armazenado em servidores cuja localização você desconhece, e sob a jurisdição de países cujas leis você desconhece ainda mais. E você não é a única pessoa com acesso a eles. Além de alguns poucos funcionários com autorização de acesso a esses servidores, governos também podem ter acesso a eles sem seu conhecimento. Dê uma olhada, por exemplo, nesse resumo que o próprio Google divulga semestralmente. Entre janeiro e junho desse ano, o governo americano requisitou acesso a cerca de mil contas por mês. Mais de 5,5 mil foram atendidas requisições pela empresa (no Brasil, o número ainda é baixo: foram 703 pedidos nesse mesmo período, dos quais pouco mais de 600 foram total ou parcialmente atendidos pela empresa).