Optar por defender a ditadura ou a democracia é uma questão que envolve moralidade e ideologia. Ou seja, é um debate que não é necessariamente racional e depende de como cada um encara o mundo. Uma questão de foro íntimo. Mas a qualidade dos argumentos usados é importante e discutível.
Uma das características fundamentais de uma democracia é que ela respeita as opções dos eleitores. E uma das consequências disso é que é possível, através de um processo democrático, criarmos uma ditadura. Hitler, por exemplo, foi eleito democraticamente em 1933, e os eleitores alemães o elegeram justamente por causa de seu discurso ditatorial.
A ditadura é um meio e um fim em si mesma. Por isso ela impede o processo democrático (por exemplo, não há eleições diretas, ou impede a existência de uma oposição, controla a imprensa).
Isso significa que, em teoria, podemos eleger pessoas que transformarão o Brasil em uma nova ditadura. Mas esse é um caminho sem volta. Logo, se vamos eleger candidatos com discursos extremistas, precisamos elegê-los pelas razões certas. E segurança não é uma delas. E isso não é questão de opinião, mas matemática.
No gráfico abaixo cruzamos dois grupos de dados disponíveis em domínio público e verificáveis por qualquer um. Cada ponto representa um país, em um total de 167 países.
Já no eixo vertical, está o número de homicídios por 100 mil habitantes, de acordo com o UNODC, o escritório de Drogas e Crimes da ONU. No topo está Honduras, com 91 homicídios por 100 mil habitantes. O Brasil aparece com 21 homicídios por 100 mil habitantes.
Os dados mostram uma média de 10,5 homicídios por 100 mil habitantes em ditaduras; 14 homicídios por 100 mil habitantes em regimes híbridos; 12,1 em democracias imperfeitas, e 1,9 em democracias plenas. Em outras palavras, sua chance de ser vítima de homicídio em uma ditadura é 5 vezes maior do que em um democracia plena.
Mas e os regimes híbridos e as democracias imperfeitas?
Eles de fato têm uma média maior de homicídios do que as ditaduras. Mas temos de levar dois fatores importantes em conta:
O primeiro é que, (a) porque a imprensa é livre à medida que as instituições democráticas se fortalecem, e (b) porque em países menos democráticos o próprio governo é responsável por muitas das mortes, as estatísticas sobre número de homicídios são mais confiáveis nas democracias. Os dados em ditaduras tendem a ser subestimados. Se alguém 'desaparece' ou se 'enforca' em um porão da ditadura, esse número não entra nas estatísticas de homicídio. No gráfico acima, os dados do eixo vertical à esquerda tendem a ser subestimados, enquanto os dados à direita tendem a ser precisos.
Segundo, alguns poucos países entre as democracias imperfeitas e regimes híbridos (Honduras, El Salvador e Jamaica, por exemplo) têm taxas de homicídio tão altas que a média do grupo acaba distorcida. Mas, se ao em vez de olharmos a média, olharmos as medianas de cada grupo (mediana é o número que fica no meio, ou seja, a metade dos números será maior e a outra metade será menor que a mediana), veremos as seguintes taxas de homicídios por 100 mil habitantes: 7,5 entre as ditaduras, 6,5 entre os regimes híbridos, 6 entre as democracias imperfeitas, e 1,1 entre as plenas. A vantagem de usar a mediana em vez da média é que a mediana não é distorcida por alguns poucos números muito altos ou muito baixos. Ela é mais precisa.
Estatisticamente, ditaduras não são mais seguras que democracias; democracias imperfeitas e regimes são menos seguros que democracias plenas. E, se removermos alguns poucos países que são extremamente violentos por causa de fatores como drogas, álcool e distribuição de renda, democracias imperfeitas e regimes híbridos são mais seguros que ditaduras.
Mas há um outro elemento importante a considerar: democracias são valores em si mesmas. A maior parte das pessoas preferem as democracias não porque elas são mais seguras, mas porque elas são democracias. O fato de serem mais seguras é um bônus e uma consequência bem vindas.
Aqui não é uma questão de opinião, mas de constatação. Qual foi a última vez que você ouviu falar de massa de refugiados entrando na Arábia Saudita (índice de democracia: 1.77), onde a taxa de homicídio é de 1 para 100 mil? Mas ouvimos todos os dias falar de refugiados tentando entrar na Austrália, onde a taxa de homicídios é exatamente a mesma (índice de democracia: 9.22). Ou pense no número de norte-coreanos que tentam fugir de seu país e no número de sul-coreanos que querem cruzar a fronteira no sentido contrário. Ou a direção na qual as pessoas tentavam pular o Muro de Berlim.
Se as pessoas estão certas em acharem que a democracia é um valor em si mesma, ou não, é uma outra discussão. Mas o fato é que acham.
Amanhã usaremos esse mesmo exemplo para explicar por quê alguns brasileiros acham que ditaduras trazem segurança.