Se o software grava ou transmite tais informações sem conhecimento dos usuários, ou se a empresa usa o software para melhorar a qualidade da experiência do usuário, ou mesmo se ela o usa para violar a privacidade dos usuários, é algo para as autoridades decidirem. O que realmente é interessante é o choque dos milhões de usuários de celulares ao descobrirem que um software pode ter bisbilhotado tudo que fazem com seus celulares.
Se a empresa errou, ela poderá ser punida porque todos sabem exatamente onde ela se localiza. Mas há centenas de programas desenvolvidos por criminosos para capturar informações semelhantes, instalados em dezenas de milhares de celulares ao redor do mundo nesse exato momento. Esses programas são desenvolvidos não para melhorar a experiência do usuário, mas com o único propósito de cometer crimes. E muitos deles são instalados da mesma forma: sem o conhecimento do usuário, dentro de outros programas.
No últimos 2 mil anos não inventamos nenhum novo crime, apenas novas formas de comete-los. Os criminosos continuam roubando, matando e fingindo ser quem não são. No ano 1184 antes de Cristo, os gregos queriam capturar a cidade de Troia e para isso fabricaram um cavalo de madeira. Os troianos levaram o cavalo para dentro de sua muralha sem saber que 30 soldados estavam escondidos em seu interior. No ano 1897 depois de Cristo, Bram Stroker escreveu sobre um inimigo que só podia entrar na casa das vítimas se fosse primeiro convidado por elas: Drácula. No ano 2011, os cavalos são eletrônicos e os vampiros são códigos de computadores, mas o objetivo ainda é o mesmo: prejudicar quem está desprevenido, entrando escondido ou fazendo-se convidar pela vítima. A maior parte das violações à privacidade ocorre porque as vítimas cooperaram de alguma forma. Se sua privacidade é crucial para você, seu comportamento é a linha de defesa mais importante.
Segundo, e já falamos disso aqui, seu celular é um cofre eletrônico. Como qualquer outro cofre, ele está sujeito a violações, seja porque suas paredes não são fortes, seja porque a fechadura não é complexa, seja porque você não toma cuidado com a chave, seja porque o que está guardado lá dentro é tão valioso que o inimigo não poupará esforços para obter o seu conteúdo. A única forma infalível de não ter bens furtados de seu cofre é não guardar nenhum bem lá dentro. Infelizmente, quando se trata de celulares, estamos guardando muito mais do que deveríamos.
Óbvio que os milhões de usuários 'espionados' têm o direito de reclamarem do comportamento da empresa. Mas daí a dizerem que foram pegos de surpresa, é um grande pulo. Há tecnologia para violação de privacidade, há interesse em viola-la, e o custo de viola-la é mínimo. A combinação desses três ingredientes sempre foi fatal e não é diferente com os celulares. A melhor defesa é esvaziar o cofre e presumir que é apenas uma questão de tempo até que ele seja atacado e vencido.