“Reparações a vítimas de violência quitam dívidas de empresas no Rio
Indenizações a parentes de pessoas mortas pela polícia do Rio foram usadas para pagar, com desconto, dívidas de empresas com o Estado. A manobra, legal, estimulou o comércio de precatórios no Rio, que movimentou mais de R$1,7 bilhão em dois anos”
Precatório é o título através do qual uma pessoa recebe do Estado quando a Justiça determina que este tem uma dívida para com aquela pessoa. De forma muito simplificada, é como uma espécie de nota promissória que o credor recebe do Estado.
O Estado, contudo, não tem recursos suficientes para pagar todos os credores de uma vez. Por isso há uma espécie de 'fila abstrata' para o pagamento. E, para evitar que servidores públicos do Executivo deem preferência a seus amigos no momento do pagamento, a regra geral (e há exceções) é que os precatórios são pagos por ordem de antiguidade. Quem tem um precatório mais antigo recebe antes de quem tem um precatório mais recente.
O problema é que a ‘fila’ dos precatórios é longa. Tão longa que às vezes quem tem o direito a receber perde a esperança de receber ou mesmo se esquece de que tinha algo a receber do Estado.
No caso da matéria acima, as empresas se aproveitam dessa lentidão. O que elas fazem – que, como a matéria ressalta, não é ilegal – é simplesmente oferecer o dinheiro imediatamente para os credores para que eles transfiram o direito de receber para tais empresas.
É como o desconto de cheques pré-datados ou outras formas de factoring: a empresa paga a dívida no lugar do credor e adquire o crédito contra o devedor. Obviamente ela paga ao credor um valor menor que aquele ao qual o credor tinha direito. Algo como ‘você tem direito a R$100. Eu te pago R$60 agora e fico com o direito de cobrar os R$100 do governo’. Se ou quando o governo finalmente pagar, a empresa sai no lucro de R$40.
E por que as empresas pagam tais dívidas aos credores do Estado? Porque elas têm dívidas para com o Estado. Elas usam os precatórios (que são créditos contra o Estado) para compensarem/pagarem as dívidas que têm com o próprio Estado.
O problema apontado pela matéria é que, ao contrário do que acontece nas transações comuns de factoring, as empresas não precisam esperar para obter a vantagem financeira. Como o governo autoriza que elas utilizem o precatórios para abaterem suas dívidas para com o próprio governo, a empresa no nosso exemplo acima paga R$60 para o credor e quase que imediatamente pode usar o mesmo título para abater uma dívida de R$100 que tem para com o Estado. Em outras palavras, ela fica com ‘lucro’ de R40 apenas por ser mais eficiente do que o Estado. Ela paga um valor muito menor do que teria que ter pago se o Estado fosse mais eficiente no pagamento de seus credores.
O Estado não sai perdendo muito porque ele teria, mais cedo ou mais tarde, que pagar a dívida de R$100. Quem sai perdendo, contudo, é o credor inicial que teria recebido R$100 se o governo tivesse sido mais eficiente no pagamento de suas dívidas. Como o governo demora muito para pagar, o credor original ou espera indefinidamente pelo pagamento do precatório, ou aceita repassá-lo por muito menos para as empresas, arcando com o prejuízo.