"Justiça condena dono de cachorros que mataram criança no RJ
O Tribunal de Justiça do Rio condenou o dono de três cães que mataram uma criança de 9 anos anos a pagar uma indenização de R$ 50 mil ao pai da vítima. A decisão, da 13ª Câmara Cível, foi divulgada nesta quinta-feira. Cabe recurso.
O menino morreu em 2009 em Volta Redonda (RJ) após entrar na chácara do vizinho e ser atacado por três cachorros da raça pastor alemão. Ele teria ido atrás do seu cão, que tinha entrado na propriedade atraído por uma cadela no cio.
Segundo o processo, havia cercas e uma placa que indicava a existência de animais. O réu ainda alegou que houve negligência dos pais da criança.
Na decisão em segunda instância, o desembargador Agostinho Teixeira, relator do processo, entendeu que a culpa foi do dono dos cachorros. "O proprietário deve evitar qualquer possibilidade de contato dos seus cães com terceiros. (...) Qualquer deslize, a meu ver, por mínimo que seja, é suficiente para a responsabilização do criador de animais ferozes."
Para nossas leis, os animais não têm vontade própria. Por isso, eles não podem cometer crimes. Só seres humanos podem cometer crimes (uma exceção são os crimes ambientais, que podem ser cometidos por empresas).
Pois bem, quando um dano usa um cão para matar outra pessoa, o cão obviamente não pode ser condenado a uma pena, embora ele possa ser morto. Ele é morto não porque ele tenha cometido um crime, mas porque ele foi usado para cometer um crime. É uma questão de política pública. É mais ou menos a mesma razão pela qual as armas apreendidas de criminosos podem ser destruídas: para evitar que voltem a causar novos danos à sociedade.
Mas o dono do animal pode ser condenado a uma pena. Por exemplo, se ele quis usar o animal para matar a vítima, ele responde por homicídio doloso. Novamente, pense no animal nesse caso sendo usado como uma arma: ele é um objeto, mas quem usa o objeto para cometer o crime é condenado.
Mas e se a pessoa não quer matar mas, por descuido, deixa o animal em uma situação na qual ele acaba matando? Por exemplo, no caso de alguém que deixa um cão fora da coleira?
Nesse caso o juiz tem de julgar se a pessoa assumiu o risco de o animal matar a vítima. Se ele assumiu, o crime ainda é o homicídio doloso. Mas se ele simplesmente foi descuidado e o animal acabou matando a vítima, o crime passa a ser um homicídio culposo, porque ele foi imprudente ou negligente: uma pessoa normal deveria tomar conta de um animal que pode matar uma pessoa, e deveria vigiar para que ele não matasse aquela pessoa. Se ele não tomou conta e não vigiou de forma adequada – ou seja, como uma pessoa normal faria – ele cometeu um homicídio culposo.
Mais ou menos a mesma coisa ocorre no direito civil (que é onde se discute as indenização, como no caso da matéria acima): se o dono quis usar os animais para causar um dano (e a morte de alguém é sempre um dano), ele responde pelo prejuízo causado dolosamente. Mas ele também responde se ele causou um dano culposamente, ou seja, quando ele tinha a obrigação de vigiar o animal e não o fez adequadamente. É o que os juristas chamam de culpa in vigilando: a culpa de quem deveria vigiar e não vigiou.
No caso da matéria acima, o que o magistrado fez foi dizer que só tomar cuidado (colocando placas e cercas) não é o suficiente para provar que se fez tudo o necessário para evitar um dano à vítima: é necessário segundo ele, evitar “qualquer possibilidade” de contato com os animais, “por mínimo que seja”. As palavras chaves aqui são qualquer e mínimo que seja. Isso porque, realisticamente, a única forma de evitar qualquer contato com um animal é não tendo um animal pois, levado ao extremo, é sempre possível ter algum tipo de contato com o animal. Basta imaginar um estranho que force o dono do animal – com arma em punho – a deixa-lo ver seu cachorro.
O problema, portanto, é evitar de todas as formas possíveis e razoáveis que estranhos tenham contato com o animal sem querer. Esse é o xis da questão no caso acima: as cercas não eram uma proteção suficiente. Tanto é assim que uma criança conseguiu ter contato com os animais.
Um último detalhe: sempre que uma pessoa é condenada por um crime ela se expõe a um processo de reparação cível, mas o contrário não ocorre: às vezes uma pessoa é condenada civilmente, mas não penalmente.