Em Poder:
“Visita do papa exige uso de verba pública, diz dom Odilo
O cardeal dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, defendeu ontem os gastos, inclusive de recursos públicos, com a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), evento católico que será realizado no Rio na próxima semana, com a presença do papa Francisco.
A Folha mostrou neste domingo que o encontro de jovens da igreja tem um custo estimado entre R$ 320 milhões e R$ 350 milhões.
Dom Odilo afirmou que grande parte da Jornada será bancada pelas inscrições pagas pelos participantes, mas disse ser impossível realizar um ‘evento de massas’ sem apoio do poder público”
E em Cotidiano:
“Barata voa
Do calçadão da avenida Atlântica era possível ver os salões do hotel Copacabana Palace (...).
Lá dentro, o clima era tenso entre os cerca de mil convidados do casamento de Beatriz Barata e Francisco Feitosa Filho -ela, neta de Jacob Barata, conhecido como ‘rei dos ônibus’ do Rio; ele, filho de Francisco Feitosa, grande empresário do setor de transportes do Ceará.
A tensão começara mais cedo, quando Beatriz teve que descer da Mercedes que a levara à igreja sob a proteção de policiais militares. Depois da cerimônia, convidados e manifestantes seguiram para a festa no hotel.
‘Ficamos todos muito assustados, constrangidos por estarmos ali e com medo do que poderia acontecer’, contou à Folha uma convidada. ‘Todos se olhavam como se fossemos Marias Antonietas prontas para a degola’ (...)
Daniel Barata, 18, seu primo, é suspeito de ter atingido com um cinzeiro o manifestante Ruan Nascimento, 24, morador do Complexo do Alemão, que levou seis pontos na testa.
A partir daí o clima esquentou. Cinco carros tiveram vidros quebrados ou foram amassados. Uma vidraça da entrada do hotel foi quebrada.
Mais uma vez, o Batalhão de Choque foi chamado para intervir. O ‘casamento da dona Baratinha’ acabou em uma nuvem de gás lacrimogêneo e spray de pimenta’”
O que o casamento e a visita do Papa têm em comum, fora que são na mesma cidade?
Mais um dos dilemas de uma democracia.
Ambos são eventos privados para um grupo restrito de pessoas. No casamento, é restrito a quem foi convidado. Na celebração religiosa, é aberto a todos, mas interessa apenas a quem é católico ou gosta do Papa.
Mas esses eventos têm custos públicos. No casamento, a noiva precisou da tropa de choque. No caso do Papa, haverá custos para as polícias federal e militar e Exército, por exemplo.
E quem paga a conta por essas despesas operacionais são todos os contribuintes, a maioria dos quais não foi convidada para o casamento e muitos dos quais não compartilham os dogmas católicos.
A regra básica de segurança é que cabe ao Estado proteger as pessoas para que elas possam exercer seus direitos.
Mas o que acontece quando uma pessoa deliberadamente se expõem ao perigo ou, como consequência de suas opções, acaba gerando um custo muito maior ao erário público? É justo dividirmos os custos dessas opções pessoais com aqueles que são contra tais opções ou que mesmo que quisessem não poderiam participar?
Pense em um jogo de futebol ou na Parada GLBT ou nas marchas religiosas ou nas Olimpíadas ou nos protestos de rua. São todos eventos privados (no sentido de que não são organizados pelo Estado). Alguns geram até lucros para seus organizadores. Mas muitos dos custos desses eventos são pagos pelo contribuinte, incluindo parte ou toda a despesa com a segurança.
Não seria mais justo se quem gera esses custos extras arcasse com os custos que produz aos cofres públicos? Afinal são custos oriundos de suas opções pessoais ou institucionais. O contribuinte do outro lado da cidade não deveria pagar o pato.
A resposta pode parecer óbvia, mas antes pense no argumento contrário: a função mais básica do Estado é proteger o indivíduo no exercício de suas liberdades e direitos. Se ele começa a cobrar por tal proteção, não temos um Estado, mas um agente de proteção privado, nos moldes de uma empresa de segurança privada ou mesmo de uma máfia. Afinal, o indivíduo não está fazendo mais do que exercendo seus direitos. Por que ele deveria pagar pelo direito de exercer sua liberdade? Se o Estado não consegue manter a sociedade segura para que o indivíduo exerça seus direitos, nada mais justo do que demandar que o Estado provenha a proteção extra sem custos extras, não?
Ou devemos levar em conta a condição financeira da pessoa que organiza? Mas nesse caso não estaríamos impondo um custo a alguém que às vezes sequer tem lucro? Pior: essa pessoa passaria a subsidiar quem participa do evento. Ou seja, ninguém mais organizaria nada sem margem de lucro. Ou, pior, nada mais seria organizado porque ninguém gostaria de pagar pelo custo dessa organização.
E se impuséssemos os custos em quem participa do evento? Afinal eles se beneficiam da segurança. Mas como distribuir tais custos em eventos enormes, como a visita do Papa, na qual centenas de milhares podem comparecer, alguns muito ricos e outro muito pobres? O sistema de cobrança em si poderia sair mais caro do que o custo que se deseja cobrir. E ricos teriam muito mais capacidade de pagar do que pobres: ricos poderiam comparecer, e pobres ficariam excluídos.
E se impuséssemos os custos de acordo com a condição financeira de cada um? Mas nesse caso, não estaríamos tolhendo os direitos daqueles que tiveram mais sorte na loteria do útero ou da vida? E qual seria a forma mais justa de alocar o custo? Quem tem salário maior? Mas nesse caso, o herdeiro que nunca trabalhou sairia beneficiado. De acordo com o tamanho do patrimônio? Mas nesse caso, o aposentado que trabalhou a vida inteira, comprou uma ótima casa mas recebe o mínimo de aposentadoria, sairia prejudicado, pois teria patrimônio (casa) mas quase não tem renda (aposentadoria).
O debate, enfim, não tem fim, mas está presente em todos os aspectos da vida em sociedade. Tanto quando um paciente é transportado de helicóptero (ou não) para um hospital quanto quando um presidente do Senado usa um jato público para ir a um jogo de futebol, isso é resultado da mesma equação: qual é o limite que o custo pelas opções ou condições pessoais devem ser divididos entre todos os contribuintes, e a partir de que momento é justo individualizarmos e cobrarmos tais custos do indivíduo?
Em uma economia socialista pura, todos os custos são sempre divididos. Em uma economia capitalista pura, todos os custos são particulares. Mas na história humana nunca tivemos os extremos. Cada sociedade acaba ficando em algum ponto ao longo da reta.
O problema surge, contudo, quando o ‘ponto ao longo da reta’ imposto pelas leis não é aquele percebido como justo pela sociedade.