“Justiça concede bens de Canhedo a ex-Vasp
A Justiça do Trabalho decidiu entregar para os antigos trabalhadores da Vasp a holding de Wagner Canhedo para quitar dívidas trabalhistas.
A holding, a Expresso Brasília, controla bens avaliados em R$ 500 milhões, segundo o advogado Carlos Duque Estrada Jr. Holding é um tipo de sociedade que controla um grupo de empresas.
‘É a primeira vez que a Justiça entrega o controle de uma holding aos funcionários numa ação trabalhista’, diz Duque Estrada, que representa o Sindicato dos Aeroviários do Estado na ação”
Em direito, quando alguém é condenado, é ele quem deve pagar. Se Fulano cometeu um homicídio, não é seu irmão quem vai para a prisão. Se é Beltrano quem bateu o seu carro em outro, não é o passageiro quem vai ter de indenizar o outro.
Mas, na Justiça do Trabalho, há duas possibilidades importantes nas quais a empresa condenada não é quem paga, que é o que ocorreu no caso da matéria acima.
A primeira é quando a Justiça desconsidera a personalidade jurídica da empresa e vai direto ao patrimônio do dono da empresa. Isso serve para que o dono não se esconda atrás da personalidade jurídica de sua empresa e acabe prejudicando os empregados que, afinal, não controlam e têm pouca possibilidade de acompanhar a gestão da empresa na qual trabalham.
Nesses casos, a Justiça pode, inclusive, dar uma outra empresa do mesmo dono como forma de pagamento da dívida.
Ações e cotas de uma empresa são parte dos bens (‘ativos’) de uma pessoa, assim como uma casa, conta bancária, carro ou relógio. Se a Justiça decide desconsiderar a personalidade jurídica da empresa devedora e ir direto contra o dono, e o dono não paga a dívida que agora é sua, a Justiça toma parte de seu patrimônio e a utiliza como forma de pagamento ao credor.
Em situações como essa, a Justiça pode ‘dar’ as ações ou quotas de uma empresa como forma de pagamento das dívidas de outra empresa porque ambas pertencem ao patrimônio da mesma pessoa. É como se ela estivesse dando um carro. Se ela der a maioria das ações daquela empresa, os credores acabam se tornando os donos da empresa cujas ações foram dadas em pagamento.
A segunda possibilidade é quando uma outra empresa paga no lugar da empresa devedora.
As empresas pertencentes ao mesmo ‘grupo econômico’ – com sócios comuns ou sob mesmo comando – podem ser obrigadas a arcarem com os débitos trabalhistas de uma delas.
Para incluir empresas no polo passivo de uma execução trabalhista, o juiz do trabalho verifica se a empresa condenada tem os mesmos sócios que a empresa que está solvente. Se tiver, as empresas respondem solidariamente.
Mas mesmo que não tenham os mesmos sócios, ele verifica se há sócios indiretos. Por exemplo, o sócio X não aparece diretamente, mas ele é sócio da holding Y que é, por sua vez, sócia da empresa que deve ao trabalhador. Se houver, as empresas responderão solidariamente. É uma espécie de ‘a ordem dos fatores não altera o produto’ aplicada ao direito.
Feito isso, em seguida o juiz simplesmente inclui a empresa solvente no polo passivo da execução, para que ela arque com o débito deixado pela empresa sem dinheiro.
A medida é polêmica (especialmente entre os empresários) porque a empresa que vai pagar a conta não discutiu a legitimidade do crédito (ela já entra na fase de execução) e às vezes paga créditos decorrentes até mesmo da revelia (a empresa que devia sequer se defendeu). É como se você de repente fosse condenado a pagar pelo débito de seu irmão sem que sequer tivesse chance de participar do processo contra ele.
Os que defendem a aplicação desse mecanismo, por outro lado, argumentam que os créditos trabalhistas têm natureza alimentar. Se não forem pagos rapidamente, o trabalhador passa necessidade.
Ademais, a empresa que pagou o crédito da outra pode reaver seu valor da empresa com a dívida, habilitando seu crédito da forma que entender cabível, na justiça comum. Ou seja, em tese, ninguém perde. O ônus da demora de receber o crédito fica por conta de empresas, que não têm crédito alimentar e não vão morrer de fome. O problema, contudo, é que se a empresa que devia tiver falido – como no caso acima – a empresa que pagou não terá como ser ressarcida pelo que desembolsou.
Um último detalhe: repare que na primeira hipótese (quando uma empresa é dada em pagamento pela dívida de outra empresa pertencente ao mesmo dono), a empresa dada em pagamento é tratada como um objeto. Os dois sujeitos são a empresa devedora e a o dono. Já na segunda hipóteses (quando uma empresa paga no lugar de outra), a empresa que paga a dívida é tratada como um sujeito, e não um objeto.