“Bando faz arrastão em edifício nos Jardins
Moradores de um prédio no Jardim Paulista, bairro nobre da zona oeste de São Paulo, ficaram uma hora sob a mira de pistolas e fuzis ontem de manhã, no sexto arrastão a condomínios do ano na cidade (…)
Uma vítima disse à Folha que teve levadas joias avaliadas em R$ 1,5 milhão. Segundo a polícia, porém, as vítimas só registraram a perda de pertences, sem citar valor exato.
‘Às vezes, a joia tem um valor sentimental maior do que o comercial. Vamos apurar quanto foi levado’, disse o delegado Mauro Fachini.”
Uma nota de R$10 vale sempre R$10. Seja para o pobre ou para o rico. O mesmo para um litro de leite ou um carro. É assim para quase todos os bens: conseguimos aferir com alguma precisão seu valor de mercado.
Mas o delegado na matéria acima faz um comentário interessante: às vezes o valor de um bem para uma pessoa é maior do que para outra. A aliança de casamento é muito mais valiosa para os cônjuges do que o metal contido nela (aliás, é por isso que ela é impenhorável). A foto de um ente querido também. E assim para vários outros bens que deixam marcas emocionais em nós.
Mas esse valor emocional não é quantificável.
Quando o criminoso destrói ou subtrai esses bens, o crime não muda. O furto de R$10 mil do cofre do banco, da aliança de casamento de duas pessoas que estão juntas há 70 anos, ou da carteira do pedestre na rua são todos classificados como o mesmo crime pela nossa legislação: furto. E as penas mínima e máxima possíveis são as mesmas.
Mas isso não quer dizer que a lei seja totalmente cega à realidade dos fatos. Quando o magistrado aplica a pena ao condenado, ele leva em conta não só a conduta do agente, mas também as consequências do crime. E se o bem tinha um valor emocional enorme para a vítima e foi perdido para sempre ou foi irremediavelmente danificado, o juiz vai aplicar uma pena maior do que se o bem é facilmente substituível.
Mas esse não é necessariamente o caso da matéria acima. O grande valor emocional de um bem não quer dizer que seu valor de mercado aumente. O fato de um colar ter sido de sua avó não quer dizer que um potencial comprador pagará muito mais por ele (exceto se sua avó era uma pessoa muito importante. Mas ainda aí ele não pagará pelo valor emocional, mas pelo valor de mercado: é uma relíquia de colecionador).
O que acontece muitas vezes é que tais bens não são declarados no imposto de renda. São adquiridos com recursos gerado na economia informal e mantidos sem nunca aparecerem na economia formal. A Receita não fica sabendo de onde veio o dinheiro, que o bem existe, ou quando ele é vendido.
Embora possa parecer uma boa ideia para evitar pagar impostos, isso pode gerar dores de cabeças ao dono. Primeiro, porque é muito mais difícil fazer o seguro de bens que circulam na economia informal porque eles normalmente não têm nota fiscal. Como é que a seguradora poderá saber o real valor do bem assegurado? É um risco muito maior para a seguradora, e seguradoras não gostam de riscos.
Segundo, como provar a propriedade sobre aquilo que não existe oficialmente? O objeto pode até ser recuperado pela polícia, mas é muito mais difícil para a vítima provar que ela é a dona do objeto recuperado (a polícia – ao menos a boa polícia – não entrega objetos apreendidos ao primeiro que aparece dizendo ser o dono, especialmente quando esses objetos são apreendidos muito tempo depois do crime).
E quando eles são furtados, roubados etc, é muito mais constrangedor para o proprietário informar à polícia. Afinal, a vítima não vai querer ver em um documento público a informação de que mantinha uma propriedade de enorme valor adquirida na economia informal. E, se informar e essa informação chegar à Receita, a Receita pode investigar a vítima. A pessoa agora tem dois problemas: perdeu seu bem e ainda é alvo de uma investigação.
PS: Óbvio que outra possibilidade de um caso como o acima é que a vítima adquiriu o bem na economia formal, tem como comprovar a propriedade, mas não quer ver seu nome e endereço em um documento público dizendo que ela é rica. Afinal, quem garante que ela não será vítima novamente?