1 - Vadiagem é um delito no Brasil. Está lá na nossa de Lei de Contravenções Penais, no art. 59: “Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita: Pena – prisão simples, de 15 dias a 3 meses”. Essa lei, como todas as outras leis penais, é aplicável em todo o país. Não só na cidade do vídeo acima. A única diferença entre a cidade da matéria no vídeo e o resto do Brasil é que lá a polícia resolveu cumprir o que a lei determina. E como essa lei, de 1941, hoje parece absurda para muita gente, fica parecendo estranho/engraçado/trágico. Mas o fato de o Estado não estar aplicando a lei não quer dizer que ela deixou de ser lei. Uma lei não é revogado pelo desuso. Para ser revogada, é necessário uma outra lei que a modifique. Por exemplo, até o meio deste ano, mendicância (ou seja, ficar pedindo na rua) também era um delito (era o art. 60 da mesma lei). Ai veio uma nova lei e disse que a antiga lei estava revogada a partir daquele momento. O Congresso Nacional poderia ter feito o mesmo a respeito de vadiagem. Não o fez. Logo, a lei é valida e deveria ser aplicada. Se achamos que essa lei é estranha, a crítica não deve ser feita contra a cidade que está aplicando tal lei, mas contra o Congresso Nacional, que ainda não a revogou. E como somos nós, eleitores, que escolhemos nossos congressistas, a culpa é nossa.
Aliás, vale lembrar que as cidades não têm direito de criar ou revogar leis penais. Esse é um direito que, no Brasil, só o Congresso Nacional (ou seja, o poder Legislativo federal) tem.
Por fim a respeito de vadiagem: por mais estranho que pareça, ela é inafiançável. Da mesma forma como os crimes de terrorismo, racismo, tráfico de drogas e hediondos. Isso porque, se a pessoa não tem paradeiro certo, a Justiça não conseguiria encontrá-la caso ela aguardasse julgamento em liberdade.
2 - Os policiais acertam quando o prendem pelo crime de desacato, mas erram no crime de desobediência. O crime de desacato é quando alguém desrespeita ocargodo servidor público. O desrespeito é ao cargo e não à pessoa. Diz o Código Penal “Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de 6 meses a 2 anos, ou multa”. O objetivo da lei é proteger a respeitabilidade do cargo e não a dignidade da pessoa. Para proteger a dignidade da pessoa, existe um outro crime no Código Penal: a injúria. O desacato não ocorre só com palavras (por exemplo, dizer que o policial é vagabundo), mas também com gestos. Foi o que ocorreu na matéria acima: a partir do momento que o jornalista/comediante resolveu mostrar o dedo do meio com a intenção de ofender o policial, houve o desacato (ele cometeu o mesmo erro que o piloto de um avião americano cometeu há alguns anos quando foi ser fotografado pela Polícia Federal no Brasil e mostrou o dedo do meio aos policiais na fotografia). Portanto, os policiais do vídeo acima agiram corretamente quando o prenderam por desacato (alias, o único delito cometido pelo jornalista na matéria).
Mas eles erraram quando o prenderam por desobediência (reparem que eles prendem por desacato e desobediência. Dois crimes). Desobediência é desobedecer uma ordem legítima (ou seja, que pode ser dada) de um servidor publico. Diz nosso Código Penal: “Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de 15 dias a 6 meses, e multa”. Ora, em nenhum momento os soldados da matéria deram qualquer ordem legal que tenha sido descumprida pelo repórter/preso. Ele cumpriu todas as ordens legais. Os PMs erraram nesse ponto.
3 - Por fim, reparem que o repórter/comediante foi conversar com o delegado depois do incidente. Ele, erroneamente, achou que o delegado é o chefe dos soldados. Não é. O delegado é chefe na Polícia Civil, ou seja, ele é o chefe dos detetives, escrivães, investigadores, etc). Os soldados são da Polícia Militar. Essas instituições são completamente independentes, têm objetivos distintos (a PM serve para prevenir os delitos e a Civil para investigá-los depois que tiverem acontecido), e estruturas muito diferentes. O chefe dos soldados da PM é o comandante do quartel/guarnição ao qual eles pertencem. O delegado pode até falar a respeito da razão pela qual estão fazendo valer a lei que proíbe a vadiagem, mas ele não é juridicamente responsável pelas ações dos membros da Polícia Militar.
4 - PS: Reparem que o delegado também erra! Quando ele tenta explicar o que é vadiagem, ele acaba explicando o que é mendicância, e aparentemente ainda não percebeu que mendicância já não é mais um delito no Brasil.