“Estrangeira sofre estupro coletivo no Rio
Uma turista estrangeira com cerca de 20 anos foi estuprada e roubada por três homens numa van de transporte alternativo na madrugada de anteontem no Rio.
O namorado dela, na mesma faixa etária e também estrangeiro, foi algemado, espancado e roubado, e assistiu a tudo sem poder reagir (...)
A ação durou seis horas. Sob o poder dos suspeitos, o casal saiu do Rio, passou por Niterói e São Gonçalo, retornou ao Rio, voltou a São Gonçalo e foi deixado na rodovia BR-101, em Itaboraí.
Nesse intervalo, foram feitos saques em caixas eletrônicos com os cartões das vítimas. Os bandidos chegaram a levar a turista de volta a seu apartamento para que ela pegasse um novo cartão (...)
Dois dos três homens foram presos em flagrante cerca de 12 horas depois pela Polícia Civil em São Gonçalo.
O terceiro está foragido. A polícia investiga a participação de uma quarta pessoa no crime, menor de 18 anos.
Segundo o delegado, Jonathan Froudakis de Souza, 20, e Walace Aparecido Souza Silva, 22, foram indiciados por corrupção de menor, estupro e roubo com agravantes”
A matéria é um exemplo interessante sobre a confusão gerada pela existência de dois crimes com o mesmo nome no Brasil: a corrupção de menores.
O art. 218 do Código Penal diz que é corrupção de menores “Induzir alguém menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem”.
Já art. 244-B do ECA diz que que é crime “corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la”.
Afinal, qual dos dois crimes foi cometido pelos suspeitos presos? Em ambos os casos a vítima é a mesma: o menor que estuprou a turista. Mas para sabermos vítima de qual crime dos dois crimes, precisamos compreender a diferença entre esses delitos homônimos.
Se sabemos que o menor em questão tem entre 14 e 18 anos, sabemos que só pode ser a corrupção de menores que está no ECA, já que a corrupção de menores que está no Código Penal só pode ser praticada contra menor de 14 anos. Mas como a matéria não diz a idade do menor que participou do crime, não dá para saber qual dos dois crimes os suspeitos teriam cometido apenas olhando a idade do menor-vítima.
No crime do art. 218 do Código Penal, o criminoso obriga, alicia ou induz o menor de 14 anos a satisfazer a lascívia (impulsos sexuais) de outra pessoa. Fulano induz Zezinho (que tem 10 anos) a satisfazer os impulsos sexuais de Beltrano, por exemplo.
Há dois pontos importantes aqui: se Fulano induzisse Zezinho a fazer sexo consigo, seria estupro. A corrupção de menores do art. 218 é uma espécie de intermediação. Já quem de fato pratica sexo com o menor de 14 anos está praticando estupro. E se a terceira pessoa - quem foi beneficiado pela intermediação - vier a fazer sexo com o menor de 14 anos, ela poderá ser processada pelo estupro de vulnerável.
E se o criminoso induziu o menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de um número indeterminado de pessoas, o crime deixa de ser corrupção de menores e passa a ser Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável, cujas penas são o dobro.
Já a corrupção de menores que está no ECA não é um crime relacionado ao sexo. O que o ECA tenta proibir é que um adulto leve um menor à vida criminosa, ou seja, que o corrompa. É o crime praticado por criminosos que usam menores para praticar parte (ou todo) o crime, como traficantes que usam adolescentes para transportar drogas ou pais que usam filhos para furtarem chocolate oui roupas em lojas.
Por ilógico que pareça, pela lei brasileira a mesma pessoa pode ser vítima e agente de uma conduta delinquente ao mesmo tempo. Pense no caso da matéria acima: se o menor estuprou a vítima, ele cometeu um ato infracional (estupro, quando cometido por um menor de 14 anos, é ato infracional e não crime). Mas, ao mesmo tempo, ele foi induzido por adultos a cometer tal crime, sendo, portanto, vítima da corrupção de menores cometida pelos adultos contra ele.
Um debate que existe entre os juristas é como interpretar essa lei se o menor já cometia crimes antes, por conta própria.
Digamos, por exemplo, que ele já houvesse estuprado outras vítimas. Os adultos que dessa vez o levaram a estuprar o teriam corrompido ou ele já estava corrompido antes desse estupro? E se ele já houvesse cometido outros crimes de caráter sexual mas que não fossem estupro? E se ele já houvesse cometido outros crimes mas que não tinham caráter sexual?
O debate é complexo e envolve questões como quando é que podemos dizer que uma pessoa não tem mais recuperação, se quem comete um delito está irremediavelmente corrompido, se quem comete um tipo de delito também perde sua inocência em relação a outros delitos etc.
Mas, afinal, qual dos dois crimes foi cometido pelos suspeitos na matéria acima? Eles intermediaram a corrupção do menor para que ele estuprasse a turista e assim satisfizesse a lascívia de um dos outros criminosos? Ou eles atraíram o menor para a vida criminosa ao levá-lo para estuprar a turista? Ou o delegado os está investigando por ambas as condutas?
O mais lógico é supor que foram indiciados pela corrupção de menores que está no ECA (levaram o menor para a vida criminosa). Mas, sem ver o inquérito, não dá para ter certeza.
PS: Existe ao menos mais um crime pelo qual eles podem ser investigados: a extorsão. A matéria diz que eles obrigaram a turista a sacar dinheiro usando seu cartão. Como eles só conseguiriam acessar tal dinheiro se ela cooperasse (digitando a senha), não foi roubo, mas extorsão. A diferença é sutil: no roubo o criminoso consegue apropriar-se do objeto mesmo que a vítima não coopere. Na extorsão, ele só consegue apropriar-se do objeto se a vítima cooperar. Sem a senha o criminoso não conseguiria se apropriar do dinheiro da vítima (ele poderia até matá-la, mas não conseguiria sacar o dinheiro). Ou seja, eles roubaram os objetos que estavam com os turistas. Mas o dinheiro no banco foi conseguido por meio extorsão.