“Cubano morde dedo de rival e é eliminado
Oreydi Despaigne vencia o combate com Ramziddin Sayidov, pela segunda rodada da categoria até 100 kg [de judô], quando mordeu o dedo do adversário enquanto ele segurava seu quimono. O uzbeque reclamou da atitude e, após analisarem o teipe da luta, os juízes decidiram desclassificar o cubano”
Você já deve ter visto luta de boxe que terminar com o lutador desmaiado ou, no mínimo, nocauteado sem conseguir levantar-se. No futebol segurar alguém pelo colarinho é motivo de cartão; mas no judô eles passam todo o tempo segurando o quimono um do outro. No vôlei é falta colocar a mão do outro lado da rede; mas no basquete enfiar bola e mão dentro da cesta do adversário é motivo de orgulho. Nas corridas de carro, vence quem corre mais rápido, mas nas ruas isso seria crime.
Cada esporte tem suas regras e, normalmente, elas são bem diferentes das regras às quais somos submetidos do mundo real.
Países diferentes encontraram formas diferentes para justificarem a não punição de algumas condutas esportivas, especialmente no caso das lesões corporais sofridas durante a prática de um esporte, mas dentro das regras do jogo.
No Brasil, por exemplo, é o exercício regular do direito que exclui a ilicitude dessas agressões. O atleta que machucou o outro não é punido porque estava praticando o esporte e a lesão ocorreu enquanto praticavam o esporte dentro das regras do jogo. Tão logo ele saia das regras (morder o adversário, como na matéria acima, por exemplo), ele já não está mais no exercício regular do direito e pode ser punido criminalmente.
Na Inglaterra – onde a lesão corporal acima ocorreu e onde ela será julgada – a lógica é diferente. Ela olha não pela lógica do agressor, mas do agredido: ele consentiu no risco de sofrer uma lesão se ela ocorrer dentro das regras do esporte, e o consentimento é uma forma de defesa válida. Mas esse consentimento tem limites (um tanto subjetivos, é verdade) definidos pela moralidade pública. Daí a razão das lutas de UFC causarem tanta controvérsia no mundo jurídico inglês.
Mas o mais interessante nesse debate é que essas regras não são feitas por autoridades públicas, escolhidas democraticamente pelos eleitores, mas por entidades privadas, como a Fifa e as diversas organizações de boxe, por exemplo, nas quais os cartolas chegam a seus postos sem envolvimento dos eleitores.
Essas entidades privadas fazem regras dizendo o que é (e o que não é) permitido, e as autoridades públicas podem apenas banir ou aceitar o esporte, mas não intercederem com suas regras (se quiserem fazer suas próprias regras, não são admitidas pelas federações internacionais). Se aceitam a prática do esporte, aceitam os danos físicos causados por tal prática se eles ocorreram dentro das regras do esporte.