“Ministro do STF minimiza polêmica sobre pedido para acelerar processo
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes minimizou nesta quinta-feira (20) o pedido do conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) Tourinho Neto, desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª região, para um colega acelerar a análise de um processo envolvendo sua filha (…)
No último dia 5, Tourinho Neto encontrou-se com o colega de CNJ Jorge Hélio no corredor do órgão. Na conversa, o desembargador pediu que ele analisasse com celeridade um pedido encaminhado ao conselho por sua filha Lilian, que também é juíza, sobre um concurso de remoção.
O caso estava esperando um desfecho desde o fim do ano passado. Ela queria que o CNJ decidisse se era necessária a manutenção da regra de congelamento, no qual um juiz precisa aguardar até um ano em uma função para requerer transferência. Jorge Hélio, no dia seguinte, concedeu a liminar.
Jorge Hélio procurou Tourinho para informar a decisão. Não o encontrou e deixou recado com um funcionário do colega. O servidor informou por e-mail a decisão de Jorge Hélio. Tourinho foi repassar o e-mail para filha, mas enviou para a lista de juízes federais do país. A informação foi revelada nesta quinta-feira (20) pelo jornal ‘Estado de S. Paulo’.
Em entrevista à Folha, Tourinho negou que tenha feito pressão para o colega decidir. Ele disse ainda que não considera que tenha ocorrido tráfico de influência, conluio ou privilégio.”
Tráfico de influência acontece quando alguém solicita, exige, cobra ou obtém uma vantagem (ou uma promessa de vantagem) a pretexto de influir em um ato praticado por servidor público no exercício de sua função.
Por exemplo, se Fulano pede a Cicrano dinheiro para interceder em nome de Cicrano junto ao servidor público Beltrano, Fulano está cometendo tráfico de influência.
Há alguns problemas em dizer que houve tráfico de influência. Não há qualquer menção de que ele pediu ou aceitou qualquer vantagem. A vantagem não precisa ser para si, mas precisa existir algum tipo de vantagem ou mesmo uma promessa de uma vantagem no futuro. E amor da filha não é uma vantagem. Ao menos não do ponto de vista criminal.
Um outro crime muito parecido com o tráfico de influência é a exploração de prestígio, na qual o criminoso solicita ou recebe dinheiro ou alguma outra utilidade sob o pretexto de influir junto a um membro do Ministério Público, algum servidor do judiciário (incluindo magistrados), testemunhas, tradutores ou peritos. Em outras palavras, é uma espécie de tráfico de influência, mas em relação a pessoas envolvidas em um processo.
Mas e se a pessoa de fato tem a capacidade de exercer essa influência? Por exemplo, se ela pega dinheiro de uma pessoa e entrega para o servidor público? Nesse caso, saímos do tráfico de influência ou exploração de prestígio e caímos na corrupção, que pode ser ativa (se o intermediário estava agindo em nome de quem pagou) ou passiva (se o intermediário estava agindo em nome do servidor público que recebeu). O mesmo vale se, em vez de dinheiro, o intermediário transaciona uma vantagem ou alguma promessa de vantagem.
Se a pessoa simplesmente intercedeu por vontade própria (por altruísmo, amor, desamor ou o que seja), sem dar ou prometer nada ao servidor público, não há crime.
Mas isso não quer dizer que é fim de assunto. Isso porque, no caso da matéria acima, quem intercedeu é um servidor público, e servidores públicos não podem se utilizar de sua posição para obter vantagens. Isso por conta de um princípio que raramente levamos a sério, mas está na nossa Constituição: a moralidade.
O servidor público não deve agir apenas de forma legal (dentro da lei). Ele deve também agir de forma moral, ou seja, dentro dos parâmetros daquilo que é aceito como normal pela sociedade.
A questão, portanto, é saber se interceder junto a um colega para que ele passe o processo da filha na frente de outros é algo aceito como normal pela sociedade brasileira em 2013. É aceitável que um pai possa priorizar os interesses de um ente querido em detrimento da instituição que representa, ou deve-se exigir que ele mantenha a segregação entre seus interesses pessoais e a instituição que representa?
Um complicador interessante desse caso é saber se moralidade é algo estático ou variável. O personagem é um magistrado com décadas de carreira e que ocupa também uma cadeira em um órgão de controle do Judiciário. Deve-se impor a ele uma expectativa de moralidade maior do que se imporia a um magistrado de primeira instância com pouca experiência, ou o nível de moralidade é único para qualquer servidor público, do mais humilde à presidente da República? Ou seja, moralidade envolve elementos pessoais (conhecimento, experiência etc) e institucionais (a posição que ocupa), ou é algo universal?
Para complicar, vale notar dois pontos: primeiro, que no caso o pedido da juíza-filha era para que o CNJ desconsiderasse uma regra imposta a todos os outros magistrados colegas dela. Segundo, que a decisão pedida (e concedida) é temporária (liminar).