“OAB acusa polícia de torturar suspeitos de estupro no Paraná
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) acusa a polícia do Paraná de torturar quatro rapazes para que confessassem o estupro e homicídio de uma adolescente.
Os quatro são acusados da morte de Tayná Adriane da Silva, 14, cujo corpo foi encontrado próximo ao parque de diversões em que trabalhavam, em Colombo (região metropolitana de Curitiba) (...)
No início desta semana, um laudo do Instituto de Criminalística apontou que o sêmen achado no corpo não pertencia aos presos.
O presidente da OAB-PR, Juliano Breda, visitou os suspeitos, junto com outros advogados da instituição, e diz que há ‘provas inequívocas’ de que eles foram agredidos (...)
Os rapazes, com idades entre 22 e 25 anos, disseram que foram torturados por vários dias, mesmo após a confissão, em quatro delegacias e numa casa de custódia.
Um dos suspeitos está no Complexo Médico Penal, com suspeita de perfuração de órgãos abdominais.
O Ministério Público abriu apuração sobre a denúncia. A investigação sobre a morte de Tayná foi reaberta após divulgação do laudo sobre o sêmen. Um novo delegado foi designado para o caso (...)
Ontem, a polícia afastou temporariamente os delegados Silvan Pereira, que estava à frente da delegacia de Colombo, e Agenor Salgado Filho, da Divisão de Polícia Metropolitana.”
A tortura funciona para criar uma certeza, mas não no sentido que quem tortura imagina que funciona. Para entender a certeza que ela cria, temos que usar um pouco do que os matemáticos chamam de teoria dos jogos.
Se o inocente é torturado e confessa, temos três problemas: o verdadeiro criminoso ainda está solto, um inocente está machucado e preso ilegalmente, e temos um policial criminoso nas ruas exercendo o papel de representante do Estado.
Se um culpado é torturado e confessa, o culpado pode estar preso, mas temos um policial criminoso nas ruas exercendo o papel de representante do Estado. Além disso, quando o torturado é de fato culpado, ele deveria ser objeto de repulsa social. Afinal, é um criminoso. Mas ao tornar-se vítima de tortura, ele passa a ser objeto de simpatia pública. Afinal, ele agora também é vítima.
Por maquiavélico que seja, mesmo na melhor das hipóteses a tortura funciona para nivelar o criminoso com sua vítima. E, tão grave quanto, ela faz com que o papel do Estado deixe de ser o de garantidor dos direitos e passe a ser o de transgressor de direitos. O policial, que é em quem as pessoas deveriam se socorrer, passa a ser quem as pessoas passam a temer.
Em um único ato, o torturador inverte a dinâmica do crime. O criminoso passa a ser vítima, o Estado passa a ser criminoso, e a vítima inicial é ignorada.
Quando ouvimos que um dos propósitos da pena é exemplificar, normalmente pensamos que o ‘exemplificar’ significa dar um exemplo aos demais criminosos para que eles pensem duas vezes antes de cometerem crimes. Isso é verdade, mas não toda a verdade.
Há um segundo pilar no propósito de exemplificação: a pena serve de exemplificação para o resto da sociedade de que o Estado funciona como garantidor da lei.
Mas, ao torturar, esse segundo pilar se torna impossível porque o próprio Estado está transgredindo a lei. Não há mais um exemplo a ser seguido pela sociedade.
A tortura funciona não só para colocar vítima e criminoso no mesmo lado –o lado de quem foi agredido ilegalmente-, mas também para colocar criminoso e Estado no mesmo lado –o lado de quem agride ilegalmente.
Agora pense na lógica do ponto de vista do policial. Ao obter a confissão sob tortura ele não saberá se de fato achou o culpado. Sabe apenas que obteve uma confissão sob tortura. A única coisa que seguramente fez ao torturar foi mudar a dinâmica: seja o suspeito culpado ou não, agora temos duas vítimas: a inicial e o suspeito. E, seja o suspeito culpado ou não, agora temos ao menos um criminoso: o policial. Logo, embora a culpa do suspeito continue incerta, a inversão da dinâmica legal passa a ser certa. E essa é a única certeza que a tortura gera.