“O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) decidiu anteontem repassar aos tribunais a decisão sobre os trajes que os advogados devem usar.
Na prática, significa que a proposta da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de dispensar os advogados do uso de terno e gravata no verão poderá não ser adotada, ao menos em parte do país (…)
A OAB sustenta que o Estatuto dos Advogados, lei federal, delega à Ordem a atribuição de decidir sobre a vestimenta dos advogados.
A ação foi proposta porque a OAB-RJ baixou resolução no verão deste ano dispensando a obrigatoriedade do uso de terno e gravata, permitindo o uso só de camisa social, alegando o forte calor.
Alguns juízes, porém, se recusaram a receber advogados sem terno e gravata.
A OAB afirmou que vai recorrer da decisão do CNJ.
‘Existem decisões anteriores do CNJ no sentido de que a OAB tem, sim, competência para definir os trajes do advogado’, disse o presidente interino da Ordem, Alberto de Paula Machado”.
Judiciário é um dos poderes do estado. Advogados são pessoas privadas. Mas eles dependem um do outro. É como o cozinheiro e o peixeiro: seus patrões são diferentes e suas funções são diferentes, mas sem um, o outro não conseguiria trabalhar. O advogado não pode decidir uma causa, e um juiz (quase nunca) não pode julgar sem a parte estar representada por um advogado. É uma relação simbiótica. Mas, como a matéria acima deixa claro, às vezes com faíscas.
O problema é que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que é a instituição que controla a profissão dos advogados, é quem, por lei, deve decidir tudo a respeito da conduta dos profissionais. Mas o Judiciário, que é o órgão que controla os fóruns (os locais físicos onde os magistrados trabalham), é que decide sobre o acesso físico àqueles locais. Por isso, de um lado temos a OAB dizendo que cabe a ela determinar como os advogados devem vestir-se (o que está certo), e por outro lado o judiciário dizendo que cabe a ele determinar como os advogados que terão audiência com os magistrados em seus fóruns devem vestir-se (o que também está certo).
Há, no mínimo, duas formas 'corretas' de interpretar as leis, nesse caso:
- A primeira, é dizer que as normas referentes à profissão são especializadas e, por isso, o judiciário pode determinar tudo a respeito de um fórum, mas não em respeito às roupas trajadas pelo advogados, pois a lei determina que esses profissionais são regidos pela OAB. O contra-argumento do judiciário seria, nesse caso, que ele não diz como a OAB deverá administrar seus próprios prédios (inclusive como as pessoas devem vestir-se lá), e portanto a OAB não deve determinar como o judiciário deve administrar os seus prédios.
- A segunda, é dizer que as normas referentes à administração dos fóruns (ou das audiências nos fóruns, para ser mais correto) é que são especializadas. Ou seja, a OAB pode determinar como os advogados devem trajar-se em qualquer lugar, exceto durante as audiências, porque lá cabe a ele – judiciário – decidir como as pessoas devem vestir-se. O contra-argumento da OAB seria, nesse caso, de que se a regra é sobre o respeito ao local de trabalho do magistrado, então o judiciário deveria determinar que todos devem usar terno e gravata durante as audiências, e não apenas os advogados.
O interessante aqui é que o presidente do CNJ, que é quem presidiu a sessão que decidiu o assunto, é também o presidente do STF (segundo nossa Constituição, o presidente do CNJ é sempre o presidente do STF), que é a instituição máxima do judiciário. Ou seja, se a OAB de fato recorrer contra a decisão tomada no julgamento que ele presidiu no CNJ, o recurso poderá ir parar em suas próprias mãos quando chegar ao STF. Mas nem só por isso devemos presumir que a decisão não será mudada se o recurso chegar ao STF.
Um outro local onde o julgador pode acabar julgando um recurso contra sua própria decisão é o no Tribunal Superior Eleitoral, que é composto por 7 ministros, sendo 3 deles também ministros do STF. Logo, um recurso contra uma decisão do TSE vai para o STF, e aqueles mesmos três ministros vão estar envolvidos na decisão do recurso. Óbvio que é difícil eles mudarem de opinião, mas como o caso do julgamento da lei da ficha limpa deixou claro, é possível que a decisão do STF seja diferente da do TSE.