“Um jogo de comadres
O escândalo que abalou Londres é fruto da cultura de armação de partidas na modalidade e da fórmula de disputa adotada pela federação internacional. Isso pôs em questão até a presença do badminton em futuros Jogos (…)
A federação de badminton tomou a decisão após analisar relatos de juízes, vídeos e ouvir depoimentos das jogadoras. Chegou à conclusão que, de fato, houve armação.
Como já estavam qualificadas à próxima fase, as quatro duplas preferiram ser derrotadas para evitar adversários mais fortes nas eliminatórias. Sacaram na rede e cometeram erros infantis nas partidas”
Houve uma mudança nas regras do badminton nessas olimpíadas, que agora são como a de uma copa do mundo de futebol e de vários outros esportes olímpicos, como volei, basquete, futebol etc. Todos os times de um grupo jogam contra todos do mesmo grupo e 8 equipes se classificam para as quartas de final, na qual passam a disputar diretamente um lugar nas semifinais.
A declaração de um dos atletas desclassificados resumiu o problema: “We ... only chose to use the rules to abandon the match. This was only so as to be able to compete better in the second round of the knockout. This is the first time the Olympics has changed the (event's format)” [apenas escolhemos usar as regras para abandoner o jogo. Fizemos isso apenas para competirmos melhor na etapa eliminatória. Essa é a primeira vez que as olimpíadas mudaram o format do evento].
Pode soar estranho ouvir que alguém foi desclassificado porque resolveu perder. Afinal, ninguém é obrigado a ganhar. Mas, ao contrário do futebol, vários esportes impõem aos atletas a obrigação de empenhar o melhor de si. Por isso foram desclassificados.
Mas isso não explica por que os atletas resolveram perder.
Com as novas regras, se o time perder na primeira fase, não está automaticamente eliminado, o que só ocorre a partir da fase seguinte. O que importa na primeira fase é como os demais times se saíram em relação ao time que resolveu perder.
O novo sistema é mais justo porque permite uma comparação direta entre todos do grupo. Como todos jogam contra todos, é possível saber quem é o melhor e quem é pior. Pelas regras antigas, se um time ruim pegasse pela frente um time péssimo e o vencesse, enquanto um time fantástico pegasse pela frente um time ótimo e o vencesse, o time ruim e o time fantástico seriam classificados, deixando de fora o time ótimo simplesmente porque, por uma questão de sorte, o time ótimo jogou contra o fantástico na primeira rodada.
Pelas novas regras, o time ótimo pode até mesmo chegar à medalha de prata, desde que não haja nenhum outro time melhor do que ele e o fantástico em outro grupo. Pelas regras antigas, o time ótimo estaria eliminado depois do primeiro jogo. A única forma de evitar isso seria eliminar a ‘sorte’ da equação e colocar os melhores times em chaves diferentes (é justamente isso que acontece nos torneios de tênis. É por isso que você nunca vê Nadal e Federer se enfrentando no primeiro jogo do torneio). Mas fazer isso em uma olimpíada, onde o ranking na vida real não conta, é impossível.
Logo, os organizadores tinham duas opções, um sistema justo mas passivo de manipulação, ou um sistema que depende da sorte. Preferiram o primeiro.
Há um segundo elemento igualmente importante: nos esportes nos quais há um enfrentamento direto entre indivíduos ou times (futebol, tênis, basquete, badminton etc) você só compete contra um adversário de cada vez. Logo, é muito mais fácil saber qual será o resultado final se você agir dessa ou daquela maneira.
Já em esportes nos quais você compete com diversas pessoas ao mesmo tempo (corrida, nado, ginástica olímpica etc), é muito mais difícil burlar regras ou tentar usá-las a seu favor, já que é muito mais complicado saber o que cada um fará e as consequência no todo.
Pense nos seus vizinhos: quando você precisa coordenar algo com um único vizinho a tarefa é muito mais fácil do que quando você precisa coordenar com o prédio inteiro.
Em um esporte com enfrentamento direto, é muito mais fácil para um competidor saber se é melhor perder essa rodada para pegar um adversário mais fácil na próxima. Em uma corrida ou natação, há tantos competidores ao mesmo tempo que qualquer forma de coordenação é perda de tempo: em vez de ficar tentando descobrir qual é a melhor estratégia baseado no que cada outro competidor fará, é mais fácil entrar na pista ou na água para ganhar.
Há um ramo da matemática chamado teoria dos jogos (o nome é inspirado pela análise de enfrentamento entre competidores) que estuda como cada competidor reage quando submetido a regras e situações distintas. Dois dos resultados dessa ciência é que os competidores sempre reagem às mudanças das regras, procurando o caminho mais fácil e seguro para a vitória, e que quanto maior o número de competidores, mais difícil se torna prever como cada competidor agirá individualmente.
Essas duas lições se aplicam a tudo. Do conflito no Oriente Médio (que envolve inúmeros países competindo) às leis orçamentárias (todas as vezes que mudamos as regras, o comportamento de ministros, governadores e prefeito muda). E também ao badminton.