“Bolso pesou mais na redução de fumantes
Pesquisadores do Brasil e dos EUA usaram um modelo matemático para estimar, pela primeira vez, as causas da queda de 50% no número de fumantes do país nas últimas duas décadas.
De 1989 a 2010, a proporção de fumantes na população adulta brasileira foi de 35,4% para 16,8%. O estudo, publicado na revista científica "PLOS Medicine", conclui que quase metade dessa queda se deveu ao aumento dos preços de cigarros, ligado à maior taxação do setor (...)
Com o estudo, foi possível também estimar o número de mortes devido ao cigarro que foram evitadas entre 1989 e 2010: cerca de 420 mil.
O grupo usou o modelo matemático ‘SimSmoke’, desenvolvido pelo americano David Levy (coautor do estudo, da Universidade Georgetown) e testado em vários países e Estados americanos.
O modelo utiliza cinco parâmetros: política de taxação do tabaco, medidas de banimento do cigarro em lugares fechados e públicos, campanhas em veículos de mídia, restrição de propaganda, tratamentos para parar de fumar e proibição de compra para jovens (....)
O modelo foi testado com os dados do IBGE de 2008 e apresentou uma correlação expressiva, mostrando aos pesquisadores que os parâmetros estavam acertados (...)
Um dado preocupante obtido com o modelo é a pequena participação da proibição de venda de cigarros aos jovens na redução de fumantes brasileiros, apenas 0,3%.
‘É preciso reforçar e fazer cumprir melhor essa lei. Pesquisas com jovens já mostraram que é muito fácil para eles comprar cigarros’”
A matéria acima faz menção à correlação entre o aumento do preço do cigarro e as pessoas pararem de fumar.
Temos sempre que tomar cuidado para não confundirmos correlação e causalidade.
Correlação são dois eventos que tendem a ocorrer ao mesmo tempo. Causalidade é um evento que dá causa a outro. Em ciência essa é uma diferença fundamental.
Você quase sempre espirra quando está com febre. Esse são dois eventos correlacionados; mas um não é a causa do outro: você não espirra porque está com febre. A causa é o fato de você estar gripado. Tentar solucionar a febre combatendo o espirro não vai gerar resultado algum.
Formular leis baseadas em correlações é perigoso porque (a) combate a ‘causa’ errada e (b) drena recursos que poderiam ser usados para combater a causa correta.
Se o aumento do preço do cigarro é apenas correlacionado com a queda do número de fumantes, não podemos afirmar que foi o aumento que diminuiu o número de fumantes. Pode ter sido outra coisa qualquer, como cigarro não aparecer mais em filmes e novelas, não vendermos mais chocolates em formato de cigarrilhas para crianças, e assim vai. Simplesmente não dá para saber. O aumento do preço e a diminuição do número de fumantes apenas aconteceram ao mesmo tempo e podem, ou não, estar ligados a uma causa comum.
Mas se o aumento do preço do cigarro é causa da diminuição do número de fumantes, podemos dizer que quanto maior o preço, menor o número de fumantes. Uma coisa causou a outra.
E como os cientistas conseguem saber se é causa ou apenas correlação? Há vários métodos estatísticos, mas a forma mais simples é olhar a relação histórica: se sempre que houve aumento do preço o consumo do cigarro caiu logo a seguir, provavelmente as duas coisas não estão meramente correlacionadas: uma coisa causou a outra.
Há ainda outros três detalhes muito importantes: primeiro, a maior parte do que o governo fez não foi aumentar taxas, mas impostos. Logo, foi a política de tributação e não a política de taxação que ficou mais severa.
Segundo, mesmo que a causa da diminuição do consumo seja o aumento do preço, temos que lembrar que o tributo não é o único determinante do preço do produto. É importante que a lei não deixe que o aumento do tributo seja compensado pela diminuição dos demais custos ou margem de lucro do fabricante. Se o tributo aumenta mas o custo de produção cai (por exemplo, se o governo dá o terreno ao lado para a empresa expandir), o preço total do produto pode até ficar mais barato para o consumidor. A lei precisa focar no aumento do preço total e não apenas aumentar o tributo.
Por fim, e é isso que o entrevistado quis lembrar na última linha da matéria: ainda que o preço tenha levado à queda do consumo até agora, isso não quer dizer que no futuro essa continue sendo a receita para o sucesso.
A partir de um certo ponto o preço pode tornar-se tão alto que as pessoas se tornem insensíveis a ele. Pense nos jatinhos ou outros produtos de alto luxo: o preço é tão alto que a maior parte das pessoas não se importa se o valor aumenta: quem pode comprá-lo provavelmente continuará comprando e quem já não podia continuará não podendo. É o que os economistas chamam de inelasticidade da demanda.
Neste caso, não estaríamos combatendo a demanda, mas apenas dificultando o consumo. Normalmente o que acontece nesses casos é que surge o mercado criminoso para satisfazer por vias ilícitas uma demanda latente. É o que acontece com as drogas, bolsas de grife etc. Como lembrou o pesquisador, as políticas antitabagistas precisam focar tanto na possibilidade de consumo quanto na diminuição da demanda.