“Um homem morreu, no sábado, quando tentava buscar uma orquídea para a namorada no alto de um penhasco em Joaquim Távora (norte do PR).
Odair Francisco de Oliveira, 38, passeava com a namorada no vale da Pirambeira, quando ela lhe pediu que alcançasse uma orquídea rara, de acordo com os bombeiros.
Oliveira teria caído de uma altura entre 20 a 30 metros. Ele foi encontrado com vida, mas não resistiu a uma hemorragia interna e morreu”
Se a namorada não houvesse pedido a flor ele não teria ido ao penhasco. E se não houvesse se arriscado no penhasco para atender o pedido dela, ele não teria morrido. Logo, ela é culpada pela morte dele, certo?
Não. É o que os juristas chamam de superveniência de causa independente. Essa expressão complicada significa apenas que a pessoa só responde por sua conduta na medida que aquela conduta seja diretamente responsável pelo resultado. No caso da matéria acima, o que levou à morte foi ele ter escorregado do penhasco e não o pedido da namorada. O escorregão é uma causa superveniente (que veio depois) e independente.
Do ponto de vista prático, o magistrado normalmente de ve se perguntar algumas coisas antes de dizer que existe uma relação de causalidade (relação de causalidade é como os juristas chamam a relação entre o ato/omissão e a consequência). Entre elas:
- O teste da dependência (ou do ‘se não fosse’): Se não fosse pela conduta do suspeito, o resultado teria ocorrido? A conduta do suspeito só pode ter sido a causa se não houve uma outra causa mais importante. Imagine as peças do dominó caindo. A peça anterior só pode ser responsável pela queda da peça posterior se foi ela quem a de fato derrubou. Se ela caiu por causa do vento ou porque você a derrubou com seu dedo, a queda da peça anterior, mesmo que em teoria pudesse ser a responsável, não foi a que de fato causou sua queda naquele caso concreto. Outro exemplo: alguém baleado que estivesse sendo conduzido por uma ambulância não terá morrido por causa do tiro se a ambulância colidir com um poste e ele morrer em decorrência não do tiro, mas dos traumatismos sofridos no acidente. No caso da matéria acima, se não fosse pela conduta (pedir uma flor) da namorada, a pessoa teria morrido?
- O teste da substancialidade: A conduta do suspeito representou a (ou uma) causa substancial para que o resultado ocorresse? No caso da matéria acima, o pedido da namorada para que ele pegasse a flor representou a (ou uma) causa substancial para que a morte ocorresse? Quantas namoradas pedem flores e seus namorados não morrem todos os dias? Não foi o fato de ela ter pedido a flor que o matou. Óbvio que sem o pedido ele não teria se arriscado, mas o pedido não foi uma causa substancial. Caso contrário, quem põe o criminoso no mundo também deveria ser responsável pelos crimes cometidos por ele: sem ter nascido o criminoso não teria matado. E os frentistas que abastecem os carros nos postos de combustível seriam punidos por todos os acidentes de trânsito: afinal, sem combustível os automóveis não causariam as mortes.