“Senado vota novo Código de Processo Civil
Depois de cinco anos em tramitação no Congresso, o Senado aprovou nesta terça (16) o texto principal da reforma do Código de Processo Civil. Os senadores vão analisar mais de 15 sugestões de mudanças ao texto, o que deve ocorrer na sessão desta quarta (17), a última do ano antes de o Congresso entrar em recesso de final de ano.
Após a votação dos destaques --que podem alterar partes do texto--, o projeto seguirá para sanção da presidente Dilma Rousseff (...)
O projeto prevê que os advogados públicos vão receber os honorários em causas vencidas por eles. Hoje, nos processos em que a União é vencedora, os honorários da causa são incorporados ao Orçamento do governo federal.”
Esse é um exemplo interessante de como temos de analisar propostas com cuidado e decidirmos exatamente que problemas elas tentam resolver.
Advogados públicos são aqueles que representam na Justiça quem não tem como pagar por um advogado privado.
Comparados com magistrados ou membros do Ministério Público, advogados públicos não são geralmente bem pagos pelo poder público. Mas, ao contrários daqueles, advogados públicos podem exercer a advocacia privada, ou seja, têm uma segunda fonte de renda que, embora mais volátil, é melhor do que o que recebem do governo.
A tendência natural é que se agirem puramente baseado em interesses pessoais, aloquem mais tempo àquela atividade que gera maior receita.
O fato de não ficarem com a sucumbência nas causas que já geram menor renda não ajuda em nada. Não importa a qualidade do trabalho: financeiramente, não ganham mais ou menos se ganham ou perdem suas causas públicas. Isso não quer dizer que, não haja bons profissionais que se dedicam a seus clientes (e se dedicariam mesmo se nada recebessem). Mas, do ponto de vista racional, não faz sentido se dedicarem a causas que não lhes trazem renda.
A ideia do novo Código de Processo Civil de deixar a sucumbência para o advogado público parece ótima. Afinal, alinha o interesse do cliente com o do advogado público. Se o advogado público trabalha com afinco e vence a causa, o cliente sai vencendo e o advogado sai ganhando financeiramente.
Ótimo, certo?
Não necessariamente. Isso porque a lógica da ideia acima presume que todas as causas tomam o mesmo tempo, têm a mesma possibilidade de êxito e geram os mesmos honorários ao advogado público.
Sob essa lógica, não interessa se o advogado se dedica mais a essa ou àquela causa: ele ganha o mesmo em todas em que for bem sucedido. Além do mais, a possibilidade de ser bem sucedido é idêntica e o tempo necessário é idêntico. Logo, ele não têm por que se dedicar mais a uma causa do que a outra.
Mas a realidade é muito diferente. Algumas causas envolvem valores enormes e outras valores absolutos muito menores. Algumas causas tomam um tempo enorme, e outras, quase tempo algum. Algumas causas são difíceis, outras são fáceis. E nada disso está relacionado com a relevância da causa para o cliente ou seu mérito moral. Causas praticamente impossíveis e que não geram quase nada ao advogado podem ter uma importância para o cliente muito maior do que causas fáceis e que geram muito para o advogado público.
Logo, se advogados públicos agem puramente movidos pela racionalidade do ganho pessoal, a mudança da lei pode não resolver o problema, dependendo que definirmos como o ‘problema’ a ser resolvido.
Se o problema era a insatisfação dos advogados públicos com o seu baixo rendimento, certamente resolve boa parte: seus rendimentos aumentarão.
Mas se o problema era a pouca atenção dada aos usuários da advocacia pública, aqueles usuários com causas complexas e com valores absolutos de sucumbência baixos continuarão dependendo da sorte de caírem nas mãos de advogados públicos que não se preocupam com seus próprios rendimentos porque, se os advogados públicos forem racionais, preferirão focar nas causas de clientes com melhores chances de vitória e com valores de sucumbência maiores.