“Justiça dá licença-maternidade a pai solteiro que adotou garoto de 4 anos
Um menino debilitado, de olhar caído e coberto de feridas da cabeça aos pés hipnotizou o servidor público [Bezerra] durante uma visita a um abrigo de Garanhuns (a 232 km do Recife).
Foi ali que ele decidiu: João (nome fictício) seria seu primeiro filho e teria os mesmos direitos de qualquer outra criança adotada no país.
Onze meses depois, o garoto de quatro anos ganhava um sobrenome e uma casa.
Mas o pai, que é solteiro, queria mais do que ter um filho. Ele queria criá-lo.
Depois de ter o pedido negado pela Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), onde trabalha há 20 anos, decidiu recorrer à Justiça para obter licença remunerada de 180 dias (…)
Como servidor público, Bezerra está submetido a uma lei que concede período de afastamento só às mães.
Os pais ganham no máximo cinco dias de licença.
Em paralelo à lei, no entanto, a Justiça já havia concedido os 180 dias de licença a mães solteiras e casais homoafetivos que adotavam crianças recém-nascidas (…)
O juiz federal Bernardo Ferraz, do Tribunal Regional Federal da 5º Região (TRF-5), afirma que concedeu a liminar amparado pela Constituição”
Às vezes nos acostumamos tanto com um direito que nos esquecemos de perguntar por que ele existe. Sabemos que a licença-maternidade e a licença-paternidade existem, como funcionam, que queremos aumentá-la, mas raramente paramos para pensar por que existem.
Certamente não é uma recompensa para quem tem o filho. Se fosse, uma mãe com trigêmeos teria um ano e meio de licença-maternidade. Tampouco é pelo cansaço causado. Se fosse, a licença-paternidade deveria ser mais extensa do que é (e provavelmente ambas perpetuariam por anos). Da mesma forma, não é para que os pais tenham a oportunidade de conhecer o filho. Se fosse, seria injusto que a mãe tenha uma licença 36 vezes maior que o pai.
Em teoria, ela foi criada foi para que a mãe pudesse cuidar do recém nascido, evitando assim que ele morresse ou sofresse as mazelas do abandono. Há também o argumento econômico: logo depois do parto a produtividade econômica da mulher evidentemente caia por alguns dias, logo, em termos financeiros, não afetava tanto o ganho do dono da empresa deixá-la faltar ao trabalho alguns dias sem despedi-la. E, para a sociedade, assumir a perda econômica desse afastamento era melhor do que arcar com o custo de uma criança morta ou com as sequelas de seu abandono. E existe o argumento moral: era o certo a fazer.
Mas às vezes as razões de um direito ter sido criado não necessariamente precisa ser a mesma para que ele continue existindo.
Na última década, a Justiça passou a olhar a licença não como um direito da mãe ou do pai, mas como um direito da criança. O direito de não ter só alguém tomando conta, mas também de formar laços físicos e emocionais que perpetuarão para sempre. Daí concedermos a licença para quem adota uma criança que já não precisa da atenção urgente de um recém-nascido ou, no caso acima, permitirmos ao pai solteiro ficar com a criança o mesmo tempo que uma mãe ficaria.
Essa mudança filosófica sobre quem é o sujeito do direito não ocorre só no Brasil. Países como a Suécia hoje dão aos casais a possibilidade de decidir como dividirão entre si o tempo de licença.
Mas isso gera uma pergunta interessante: se filosoficamente o direito começa a ser entendido como pertencente à criança, poderemos em breve chegar a um ponto que a Justiça forçará o pai ou mãe que deseja voltar antes do fim da licença ao trabalho a usufruí-la integralmente?