“Eleições na Itália terminam em impasse
A Itália deu ontem um passo rumo à ingovernabilidade, porque a eleição resultou em maiorias para partidos opostos em cada uma das Casas do Parlamento: o Partido Democrático (centro-esquerda) ganhou a Câmara dos Deputados, mas, no Senado, a coligação direitista liderada pelo ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi deveria ficar com a maioria das cadeiras (...)
Para agregar complexidade ao cenário, o M5S (Movimento 5 Estrelas), de repúdio aos políticos convencionais, teve uma votação espetacular, de 25,5% para a Câmara e de 23,8% para o Senado (…)
Beppe Grillo, o líder do M5S (…) é definitivamente uma figura longe dos padrões convencionais.
Em vez de festejar o resultado num hotel ou sede partidária, como os políticos convencionais, o comediante preferiu dar uma entrevista em sua cama à rádio do próprio movimento.
Feliz com o resultado do que chamou de ‘fantástica aventura’, seu discurso seguiu a linha de sempre: atacar os políticos, que, para ele, demandam ajuda psiquiátrica”
Voto é voto: desde que quem recebeu possa ser eleito, que quem votou possa votar, e que o voto tenha sido dado de acordo com as regras eleitorais vigentes, o voto é válido. A Justiça não distingue um voto de protesto de qualquer outro voto.
Se o candidato tem boas propostas ou não, apenas o eleitor pode decidir. Não cabe à Justiça fazer um filtro sobre a qualidade das propostas dos candidatos. Mesmo porque o que pode parecer um mero protesto para um eleitor, pode ser algo essencial para outro.
Em uma democracia, não é possível simplesmente dizer ‘você pode votar em quem quiser, mas não em fulano’.
Mas há dois elementos que precisamos considerar. O primeiro é a diferença entre objetivo e forma. O segundo, é a diferença entre poder e dever.
Ainda que o objetivo seja protestar, a forma de protestar pode não ser a forma que trará melhores resultados para quem protesta.
Compare o voto de protesto com uma manifestação de rua com o mesmo objetivo, por exemplo. A forma possibilita ajustes. Se a manifestação não deu certo hoje, amanhã pode haver uma outra, diferente, e com as lições aprendidas com o fracasso de hoje. No caso do voto, as consequências se estendem por anos. Não há chance de ajustes no curto prazo.
O segundo ponto é que poder não é a mesma coisa de dever. A lei diz que a pessoa pode se casar, ela não diz que a pessoa deve se casar. Cabe a cada um ponderar se o casamento é algo que atenda a seus interesses.
O mesmo vale para o voto em uma democracia: poder votar em qualquer um não significa dever votar em qualquer um. Cabe ao eleitor ponderar se tal candidato conseguirá cumprir os objetivos almejados pelo eleitor.
O problema é mais importante e presente do que parece.
No Brasil, por exemplo, o deputado federal mais votado nas eleições de 2009 tinha como plataforma ‘não sei o que um deputado faz’. Em 1988, quando ainda usávamos cédulas de papel, os eleitores cariocas deram mais de 400 mil votos para prefeito ao macaco Simão, um simpático habitante do zoológico local. Foi o terceiro mais votado naquela eleição.
Quase sempre vemos o voto de protesto como um voto por falta de opção melhor. Mas o que pode parecer um voto por falta de opção pode ser uma opção ainda pior.
Nas eleições de 2006 na Faixa de Gaza, por exemplo, a maior parte dos eleitores elegeu representantes do Hamas. Era uma forma de protesto. Como inimigo declarado de Israel, a eleição do Hamas acabou interrompendo as negociações de paz entre os dois governos e piorando drasticamente a situação dos eleitores.
Vale lembrar que em uma democracia, não há direito sem obrigação. Temos o direito de votar em quem quisermos, mas temos a obrigação de aceitarmos as consequências de nossas opções.