“O segredo e a lei
Pela nova Lei de Acesso à Informação sancionada pela presidente Dilma Rousseff, dados sigilosos em posse do governo passaram a classificar-se em três categorias. Os ‘ultrassigilosos’ só se tornam acessíveis num prazo de 25 anos, prorrogável uma vez. Os ‘secretos’ têm prazo de 15 anos, a ser renovado mediante recurso. Os "reservados", apenas 5 anos.
Foi considerável avanço diante dos prazos que vigiam anteriormente: 30, 20, 10 ou 5 anos, conforme o caso, todos duplicáveis."
No primeiro parágrafo o editorial diz (corretamente) que, findo os 25 anos, o sigilo pode ser prorrogado. Isso significa que o documento pode ser novamente decretado ultrassigiloso. Ou não. Vai depender de um juízo de valor a ser feito daqui a um quarto de século. E se o sigilo for prorrogado, seria por quanto tempo? Até mais 25 anos. Respeita-se o teto imposto pela lei.
Já no segundo parágrafo, ela diz que a lei anterior autorizava os prazos a serem duplicados. A ideia aqui era evitar a repetição do termo ‘prorrogar’, o que faz sentido do ponto de vista de estética literária. Mas, do ponto de vista técnico, os termos não são sinônimos. A antiga lei (art. 7o, parágrafo único do Decreto 4.553) dizia exatamente a mesma coisa da nova lei: os prazos podem ser prorrogáveis, e não duplicados.
Duplicácel seria estabelecer até 40 anos de cara, sem precisar esperar os primeiros 20 anos.
Duplicar é uma forma de aumento imediato. Prorrogar é uma forma de dilação, postergada no tempo. Em bom português, quando a lei diz que algo pode ser aumentado (até a metade, dobrar, até dez etc), esse valor pode ser aumentado de cara. É o caso, por exemplo, das penas de multa no Código Penal. O art. 60, §1º, por exemplo, diz que “a multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo”. Não se espera o réu pagar para depois triplicar o valor da multa: quando o juiz aplica a pena de multa ele, já de cara, diz qual o valor que o réu deve pagar. Se o réu ganhar na loteria no mês seguinte, o juiz não poderá revisar o valor da multa. Ele já foi decidido na sentença.
Já quando a lei diz que algo pode ser prorrogado, isso significa que se respeita o teto inicial e, ao fim daquele período, pode-se decidir por outro período que também deve ficar submetido ao limite do teto inicial. É o caso, por exemplo, da prisão temporária: cinco dias, prrogáveis por mais cinco, se ao fim dos cinco primeiros dias a polícia conseguir convencer o juiz que é necessária a prorrogação. E não dez dias de cara. Ou seja, estende-se o período, só que isso é feito perto de seu término. É o que ocorre no caso dos documentos sigilosos no editorial acima.
Há também o termo renovar. Na prática, muitos juristas e várias leis usam renovar e prorrogar como se fossem a mesma coisa. Em teoria, não são. Renovar significa conceder novamente, e não apenas estender. Ou seja, concede-se uma nova autorização quando a primeira chega ao fim. Por exemplo, quando sua licença para dirigir chega ao quinto ano, você a renova. Mas imagine que você não faça o exame médico necessário imediatamente. Você não pode dirigir durante aquele período, mas pode voltar a fazer o exame médico e sua licença será renovada. O prazo contará a partir da data da renovação e não do fim da primeira licença. Se sua licença houvesse sido apenas prorrogada, você poderia ter dirigido durante o tempo entre a primeira e a segunda autorização. Mas, como dito, essa é uma discussão muito mais acadêmica do que prática: as leis - inclusive a mencionada no editorial - tratam prorrogação e renovação como se fossem a mesma coisa.