“TST manda funcionários dos Correios encerrar greve
O TST (Tribunal Superior do Trabalho) determinou que os funcionários dos Correios em greve retornem ao trabalho a partir da 0h de amanhã. A multa diária por descumprimento é de R$ 50 mil para a Fentect (Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios, Telégrafos e Similares).
Após diversas tentativas frustradas de acordo, o dissídio de greve foi julgado ontem no plenário do TST (…)
No ponto mais polêmico do julgamento, os ministros do TST determinaram o desconto no salário de 7 dos 28 dias de paralisação. Os outros 21 serão repostos pelos funcionários em trabalho extra aos sábados e domingos (…)
Apesar desse corte, os ministros do TST também foram unânimes ao afirmar que a greve não é abusiva.
A decisão do TST prevê reposição na inflação de 6,87%, reajuste linear de R$ 80 a partir de outubro e um vale extra (alimentação) único de R$ 575. O resultado é muito abaixo da reivindicação inicial dos trabalhadores, que pediram reajuste de 7,16%, reposição das perdas dos últimos 16 anos de 24% e reajuste linear de R$ 400.
A greve começou em 14 de setembro. A empresa manteve a versão, durante toda a greve, que a adesão não passou de 25% dos 110 mil funcionários. Os funcionários chegaram a falar em 70%.
Praticamente não houve fechamento de agências, mas a empresa calcula que 184 milhões de cartas e encomendas tenham atrasado”
Você já reparou que raramente as greves no setor público dão certo ou demoram para dar certo? Você já contou quantas vezes ouve falar de greve de professores de escolas públicas todos os anos, independente de que partido está no governo? Mas você ouve falar com muito menos frequência de greves no setor privado. Não importa se é no setor público ou privado: se a greve é considerada ilegal ou abusiva, os trabalhadores públicos e privados podem sofrer perdas financeiras, como o desconto de salário e multas. Se as consequências contra os trabalhadores é a mesma, então, por que temos mais greve no setor público?
O xis da questão não está nas perdas sofridas pelos grevistas, mas em quem se beneficia de seu trabalho. No setor privado, quem se beneficia do trabalho do grevista é também quem pode decidir sobre as reinvindicações do grevista: o dono da empresa. Se o trabalhador de uma montadora deixa de trabalhar, a montadora produz menos carros, vende menos e gera menos lucro. No fim das contas, o dono sabe o quanto está perdendo e sabe se vale a pena ser intransigente ou se deve sentar para negociar. Em outras palavras, as forças de mercado ajudam na tomada de decisão.
Mas no setor público, quem se beneficia do trabalho do grevista (o estudante, o destinatário da carta, a família do morto etc) não tem nenhum poder de decisão sobre suas reinvindicações. No máximo, eles podem escrever ou telefonar para quem tem esse poder: o ministro, o secretário, o presidente da empresa pública etc. Mas, sinceramente, quantas vezes você já escreveu uma carta para um ministro alertando-o a respeito do baixo salário de seu carteiro ou do coveiro de sua cidade? Quem tem o poder de decisão tem muito menos a perder do que um dono de empresa na iniciativa privada.
Parece algo óbvio, mas a maior parte das pessoas fica surpresa ao descobrir que, embora até uma criança entenda que esses dois modelos econômicos são evidentemente diferentes, as nossas leis tratam os dois casos como se fossem idênticos. Fora algumas poucas restrições – principalmente a proibição de militares de fazerem greve e a obrigatoriedade da manutenção de alguns serviços públicos essenciais – a greve é tratada pelas leis essencialmente da mesma forma tanto no setor público quanto no privado.
Essa falta de distinção gera problemas nas duas pontas: do trabalhador e do beneficiário. Enquanto o trabalhador da iniciativa privada pode usar a pressão onde dói mais no empresário – o bolso – o da iniciativa pública tem de se valer de pressão do público e da mídia para fazer-se ouvir. Ou seja, o poder de pressão do trabalhador da iniciativa pública é econômico, enquanto o do servidor público é político. E pressões políticas são muito mais difusas e difíceis de serem direcionadas do que as econômicas porque suas consequências são menos tangíveis e menos quantificáveis.
E enquanto o beneficiário do trabalho na iniciativa privada pode tomar decisões que lhe afetam diretamente, o da iniciativa pública não tem esse poder, e por isso sofre as consequências sem ter causado os males. Na iniciativa privada, o médico e o paciente são a mesma pessoa: o dono. Ele sabe quanta dor consegue suportar e qual é o melhor momento para tomar um analgésico, ou mesmo se essa é uma dor com a qual consegue conviver sem precisar tratar. Já na iniciativa pública, médico (gestor público) e paciente (beneficiários do serviço público) são pessoas distintas. O médico sofre pouco ou nada com a dor sentida pelo paciente e por isso ele não sabe quanta dor o paciente pode aguentar: dando o remédio muito cedo, ele gastou o medicamente desnecessariamente. Muito tarde, e o paciente pode sofrer danos irreparáveis. Na prática brasileira, ele acaba medicando apenas quando o paciente já está necrosando ou quando o pronto-socorro inteiro está agonizando.