"Em depoimento, gremista nega intenção de ofender goleiro do Santos
A auxiliar de odontologia Patrícia Moreira, 23, torcedora do Grêmio identificada como autora de xingamentos contra o goleiro Aranha, negou na manhã desta quinta-feira (4) que tenha tido a intenção de ofender o jogador do Santos (...)
De acordo com o delegado Cléber Ferreira, Patrícia esteve calma durante o depoimento e não disse estar arrependida. 'Ela não nega ter proferido aquelas palavras, mas diz que a intenção dela não era ofender o goleiro do Santos. Simplesmente, ela falou porque foi no embalo da torcida', declarou (...)
Segundo Ferreira, Patrícia disse que os cânticos com a palavra 'macaco' são usuais na torcida e que não foram direcionados ao goleiro Aranha. Apesar de não ter definido formalmente sua atitude como racista, para a polícia, ela reconhece que ofendeu a honra de outra pessoa. Segundo o delegado, a estratégia apresentada pela defesa é de afastar o dolo (...)
'Ela diz como a torcida estava toda falando 'macaco' e proferindo aquelas palavras, ela também proferiu. Mas a questão dela não é especificamente ofender a honra daquele goleiro', disse o delegado (...)
O delegado (...) afastou a possibilidade de Patrícia ser acusada por racismo. Para a polícia, o caso é de injúria racial, crime afiançável que pode acarretar pena de um a três anos de reclusão."
Chamar alguém de macaco, polaco, amarelão ou qualquer outro termo pejorativo com a intenção de ofender a vítima baseado em sua raça, cor ou etnia não é racismo, mas injúria agravada pelo conteúdo racial. A diferença, do ponto de vista jurídico, é enorme.
Em termos gerais, racismo ocorre quando alguém tenta impedir a vítima de exercer seus direitos devido à sua raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, ou tenta fazer com que outras pessoas ajam dessa forma. É um crime gravíssimo. Um dos poucos a serem mencionados especificamente pela Constituição, que determina que ele é não só inafiançável como também imprescritível. Ou seja, se você praticar racismo hoje, daqui a 80 anos ainda poderá ser processado. Compare isso com crimes como homicídio ou latrocínio, que prescrevem em 20 anos ou menos, e você terá idéia da gravidade do racismo.
Já a injúria agravada pelo conteúdo racial é ofender a honra ou dignidade de alguém usando sua raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional como meio de ofensa.
Quando o criminoso chama a vítima de macaco, ele não está impedindo a vítima de exercer seus direitos, mas está ofendendo sua dignidade citando a cor da pele da vítima como forma de ofender. Daí ser injúria. Racismo seria se o técnico do clube não aceitasse goleiros negros, por exemplo.
Nos crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) é necessário a presença de dois elementos para que se possa começar a debater se houve crime: a vítima precisa sentir-se ofendida, e o criminoso precisa ter desejado ou assumido o risco de ofender (dolo).
Pode parecer estranho a defesa alegar que quem disse algo tão pesado como 'macaco' não tenha, no mínimo, assumido o risco de ofender. É difícil imaginar alguém falar algo sem a intenção de falar. A língua, afinal, é um músculo voluntário, sobre o qual temos controle.
Mas a jurisprudência e a doutrina fazem algumas exceções na qual embora a pessoa tenha falado, parte-se da presunção que ela não tenha a intenção de ofender. É o que acontece com o jornalista que tem a intenção de informar e por isso é obrigado a reproduzir a fala do criminoso, ou do comediante, que tem a intenção de fazer humor.
Já alegar que chamou alguém de macaco porque outras pessoas faziam o mesmo não é uma forma de dizer que a pessoa não assumiu o risco. Se fosse, um dos assassinos que atirou na vítima poderia também alegar que atirou apenas porque os demais criminoso também estavam atirando e que logo, ao atirar, não estava assumindo o risco de matar.
Então por que o advogado alega isso?
Porque cometer um crime sob a influência de multidão em um tumulto que não tenha provocado é uma atenuante da pena, ou seja, embora não exima criminoso da pena, diminui a quantidade de pena.