“No dia 7 de dezembro do ano passado, instalou-se na Justiça da Bahia o maior litígio empresarial em curso no país. De um lado, a família Odebrecht, controladora de um dos dez maiores grupos brasileiros, com ramificações na construção, na petroquímica e na produção de etanol.
Do outro, a família Gradin, sua sócia minoritária, com 21% de participação. Na origem dessa sociedade, estiveram dois empresários, o patriarca Norberto Odebrecht, que fundou o grupo nos anos 40, dando-lhe corpo e alma; e Vitor Gradin, que se juntou a ele em 1974.
O que era uma afinidade de dois senhores nascidos na primeira metade do século 20, tornou-se uma disputa entre seus descendentes, empresários do 21.
Marcelo Odebrecht, o neto de Norberto que hoje dirige o grupo, decidiu reorganizá-lo e, num remanejamento de ações, os Gradin, que cuidavam das áreas de petroquímica, óleo e gás, foram afastados da empresa. Além disso, o valor dos 21% que eles tinham na sociedade virou uma questão de opinião.
Segundo Odebrecht, valem R$ 1,5 bilhão. Segundo os Gradin, o dobro. Briga de cachorros grandes.
Como a sociedade previa que, em caso de conflitos, se recorresse à arbitragem (cláusula 11.8 do acordo de acionistas), os Gradin contestaram a legalidade do remanejamento do grupo. Jogo jogado.
Seriam nomeados os árbitros, eles examinariam os papéis e apresentariam suas conclusões. Encrencas desse tipo resolvem-se geralmente em seis meses. Sem arbitragem, no ritmo da Justiça, é coisa para dez anos (…)Sabe-se lá quem tem razão, se os Odebrecht ou os Gradin, e é para decidir coisas assim que existe o Judiciário. Duas coisas são certas, o acordo de acionistas prevê a arbitragem e esse mecanismo contribui para a celeridade de uma solução.
Tanto os Gradin como os Odebrecht são signatários de milhares de contratos. Eles e todos os seus parceiros pelo mundo afora têm mais medo da insegurança provocada pela lentidão do rito judiciário do que da própria injustiça”
A arbitragem, referida na matéria, é o que muitas vezes é chamado de justiça privada. É aquela justiça que não pertence ao Estado. E para ter acesso a ela, as partes precisam pagar. Em outras palavras, elas ‘contratam’ uma pessoa (árbitro) ou um conjunto de pessoas(tribunal arbitral) para resolver a disputa entre elas.
Para poder levar uma causa à justiça arbitral, os litigantes devem possuir capacidade para contratar, o litígio deve versar sobre direitos disponíveis (ou seja, algo que a pessoa possa abdicar, vender ou doar) e devem ser respeitados os bons costumes, a ordem pública e os princípios do contraditório (isto é, as partes têm direito de se defenderem), da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e sua decisão deve ser tomada de forma livre.
E por que alguém usaria a justiça arbitral, que geralmente é mais cara que a estatal? São três as principais vantagens da arbitragem: a rapidez, a confidencialidade e a qualidade técnica das decisões.
A rapidez da arbitragem decorre da possibilidade de as partes e os árbitros adotarem procedimento mais simplificado, evitando providências que seriam inúteis para aquele caso especifico, adequando os atos processuais a cada caso. Na arbitragem, não apenas é possível realizar as provas na ordem em que parecer mais conveniente, como também pode-se usar provas que sequer são previstas pela lei brasileira (por exemplo, testemunhas técnicas, que depõem não especificamente sobre o fato ocorrido, mas sobre determinada área do conhecimento importante para aquele caso, como um engenheiro ou um químico renomado).
A escolha dos árbitros também contribui para a rapidez na resolução do conflito, pois os árbitros eleitos pelas partes especificamente para aquela controvérsia têm mais tempo para se dedicarem a cada processo individualmente, diferente dos magistrados estatais que possuem centenas (ou, às vezes, milhares) de processos para decidir ao mesmo tempo.
A segunda vantagem, a confidencialidade dos processos arbitrais, não é obrigatória pela Lei de Arbitragem (9.307/96), mas os regulamentos das câmaras arbitrais quase sempre garantem esse direito às partes.
Como as causas arbitrais muitas vezes tratam de controvérsias que envolvem segredos comerciais e informações estratégias de uma ou ambas as partes, a arbitragem serve para manter esses segredos... secretos (incluindo mantendo-os longe dos olhas do Fisco ou do Ministério Público, especialmente o do Trabalho).
Por fim, a qualidade técnica das decisões decorre, primeiro, da especialidade técnica do árbitro ou do tribunal arbitral escolhido pelas partes para julgar a causa. Os árbitros normalmente são especialistas no problema que estão julgando (diferente dos magistrados estatais, eles sequer precisam ser formados em direito. Podem ser médicos, engenheiros, economistas etc). Como o próprio árbitro já é um especialista na área, ele muitas vezes pode dispensar as perícias e evita interpretações dos fatos de forma indireta ou em “segunda mão”.
Além disso, enquanto um magistrado estatal precisa aplicar as leis brasileiras (com algumas poucas exceções, previstas na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro), o árbitro pode, a critério das partes envolvidas, aplicar leis de outros países ou mesmo criar suas próprias regras (aplicando a equidade). Como as partes podem escolher as regras a serem usadas (bem como a pessoa que irá julgar a causa), elas têm maior participação na solução e ‘sentem’ que a justiça foi feita ou, ao menos, que tiveram todas as oportunidades de fazê-la. Isso ajuda muito, por exemplo, quando as partes têm nacionalidades diferentes, já que ambas as partes ‘sentem’ que estão sendo julgadas por regras ‘justas’.