De fato, eles produzem uma enorme quantidade de atletas no topo de seus respectivos esportes. Mas quase sempre nos esquecemos que os países não são iguais e rankings como esse criam uma ilusão de que são.
Há dois elementos importantes aqui e que devem ser levados em conta quando estamos formulando uma política de investimento no esporte.
Primeiro, não devemos olhar apenas o resultado final, mas o resultado levando-se em conta a matéria prima disponível.
Matéria prima, aqui, tem pouco a ver com genética (basta olhar os resultados das Coreias do Sul e do Norte, países com populações geneticamente idênticas, e ver a enorme diferença nos resultados produzidos: em 2008, a Coreia do Sul ficou com 31 medalhas enquanto sua vizinha do norte levou apenas 6, das quais a metade era bronze) ou PIB (Ucrânia, Quênia, Jamaica, Belarus e Etiópia ficaram com 151 medalhas em 2008. Se adicionarmos China e Rússia, outros dois países em desenvolvimento, o número pula para 251 medalhas).
Matéria prima, no caso, é algo bem mais simples: número de pessoas vivas. Isso mesmo, população.
Se você tem uma população maior é natural que haja mais pessoas que tenham o corpo para competir e a sorte de ser identificada e preparada para competir. Ou seja, mantido todo o resto igual, quanto maior sua população, maior será o número total de medalhas que você ganhará.
A China levou 100 medalhas. Mas com uma população de 1,3 bilhão de pessoas, isso dá uma medalha para cada 13,5 milhões de habitantes. Os EUA produziram uma medalha para cada 2,9 milhão de habitantes. A Rússia, uma medalha para cada 2 milhões de habitantes.
Mas se compararmos esses resultados com os de outros países veremos que eles não são nada bons: a campeã de medalhas per capita é a Jamaica, que conseguiu ganhar uma medalha para cada 246 mil habitantes. Se a China fosse tão eficiente quanto a Jamaica, teria ganho quase 5,5 mil medalhas (infelizmente só foram distribuídas 958 medalhas em 2008). A China ganha muita medalha não porque seja particularmente eficiente em gerar atletas, mas porque tem uma quantidade incrível de pessoas e mesmo que cometa milhões de erros, algumas ainda assim conseguem alcançar o topo de seus esportes.
Outros dois países dignos de menção são a Austrália e a Belarus, que ganharam uma medalha para cada meio milhão de habitantes.
Ou seja, países como Jamaica e Austrália produzem grande número de atletas de ponta em uma população muito pequena. Isso significa que conseguem identificar e preparar esses atletas com enorme eficiência. E isso não é feito com base na sorte, mas políticas públicas bem pensadas que evitam o 'desperdício' de seres humanos.
Se o Brasil fosse uma Jamaica, teria ganho 752 medalhas e não 15 (a média brasileira de uma medalha para cada 12 milhões de habitantes é quase tão ruim quanto a da China).
Mas existe um outro elemento igualmente importante: em que esportes investir.
Das 15 medalhas brasileiras em 2008, mais da metade (8) foram ganhas em esportes em equipe. A medalha de bronze no futebol masculino e a de prata no feminino ‘custaram’ ao Brasil, juntas, 36 atletas. As medalhas de ouro no vôlei feminino e de prata no masculino, juntas, custaram 24 atletas. Ou seja, para ganhar essas quatro medalhas, o Brasil ‘gastou’ 60 atletas.
Se olharmos Jamaica, as únicas duas medalhas em equipe (revezamento 4x100 masculino e 4x400 feminino) são praticados por atletas que também competem individualmente. Usain Bolt, por exemplo, ganhou uma medalha coletiva no 4x100, mas também duas individualmente (100m e 200m). O mesmo para Shericka Williams (bronze no revezamento, e prata nos 400m). Além disso, como no caso de Usain Bolt, é comum um único atleta competir em mais de um evento individual (Kerron Williams, por exemplo, ganhou duas medalhas individuais).
Ou seja, eles não só gastam menos atletas para ganhar uma medalha mas, por escolherem esportes nos quais o mesmo atleta pode competir em mais de um evento, levam duas ou mais medalhas pelo ‘preço’ de um atleta.
O mesmo acontece com outros países com grande número de medalhas per capita. A Austrália, por exemplo, foca no nado, um esporte em que frequentemente o mesmo atleta compete em mais de um evento e também compete em equipes, e das 19 medalhas da Belarus, nenhuma foi ganha em esportes unicamente coletivos. Se olharmos outros países com grande número de medalhas per capita como Holanda e Reino Unido, veremos que eles adotam políticas muito similares.
Para colocarmos em perspectiva, o Reino Unido, quarto lugar no quadro de medalhas de 2008, levou 47 medalhas com 70 atletas. O Brazil ‘gastou’ 74 atletas para conquistar 15 medalhas e ficar no 23o no quadro. Dos atletas brasileiros, apenas César Cielo conquistou mais de uma medalha.
Um último detalhe: como qualquer atleta dirá, não é apenas uma questão de investir estrategicamente, mas de investir consistentemente. Não se forma um atleta em quatro ou oito anos. O investimento precisa ser feito durante décadas. Mudar a política de investimento a cada quatro anos é jogar dinheiro fora.
Enfim, se o Brasil quiser aumentar o número de medalhas que traz para casa, não é apenas uma questão de investir mais em esporte, mas investir de forma estratégica e consistente. É esse, por exemplo, o caminho que países como a própria China resolveram trilhar na última década (em 1988 estavam em 11o lugar (28 medalhas); em terceiro lugar em 2000 (58); em segundo em 2004 (63); e primeiro em 2008 (100)).
PS: Entre os países mais ineficientes na política esportiva, a Índia fica com a medalha de ouro: uma medalha para cada 400 milhões de habitantes.