“PM vai a bairros boêmios pedir para motoristas não beberem
Os policiais militares, após autorização dos donos de bares e restaurantes na região, entraram nos estabelecimentos, afixaram cartazes e distribuíram panfletos sobre as regras de trânsito e os perigos da combinação entre bebidas alcoólicas e volante.
Além disso, disponibilizaram o bafômetro para os clientes testarem seu nível alcoólico. ‘Há uma curiosidade da população em relação ao bafômetro. Tem gente que tem medo do aparelho. Acha que dá choque’, disse o Tenente Silva Neto.
De acordo com ele, houve uma redução de 7,5% dos acidentes fatais no período que vai de janeiro a julho desse ano, em relação ao mesmo período de 2011.
Daniela Nogueira, 36, estava em um dos bares da região e foi abordada por um policial em sua mesa. ‘Achei que eles foram bastante simpáticos e falaram bem. Mas não consigo crer que adultos bebendo mudarão sua postura após cinco minutos de conversa com o guarda’, disse.
Seu amigo, Douglas Matias, 31, viu a ação de forma diversa: ‘Eu achei que a abordagem acaba humanizando os policiais. Quando você é abordado por um policial, fica receoso e até mesmo com medo. Aqui eles foram mais calorosos.’”
Ao longo do tempo, nos acostumamos a ver os policiais como um grupo diferente no Brasil, fora da sociedade.
Em países desenvolvidos, policiais são uma parte respeitada da sociedade. A morte de um policial é um choque e muitas vezes até punida de forma mais severa pela lei. Ofensas e desobediência são igualmente inaceitáveis. Nos últimos dias, por exemplo, o líder do governo britânico no Parlamento teve de vir a público desculpar-se oficialmente duas vezes por ter chamado um policial de ‘plebeu’ (e provavelmente perderá o cargo por conta disso).
Existem dezenas de razões diferentes para, no Brasil, vermos a polícia como algo aparte. Do passado ditatorial do país e da recusa em se desculpar institucionalmente pelas torturas cometidas em delegacias e batalhões, passando pelo pouco treinamento que recebem (quase sempre voltado ao aprendizado de procedimentos internos e não a como interagir com a sociedade) e culminando na truculência ou ausência de boas maneiras.
Mas existe uma outra razão, que é culpa nossa: o fato de ainda não nos sentirmos membros de uma sociedade. Sem coesão, acabamos sendo um somatório de subgrupos ou facções, e não um todo.
A consequência disso é que a polícia é vista como mais uma facção. Assim como mendigos, pobres, nordestinos, sulistas, ricos, políticos, agricultores, servidores públicos, professores, donas de casa, deficientes físicos, motoristas, pedestres etc. Enfim, ninguém é parte da sociedade brasileira porque ainda não nos sentimos e não agimos como sociedade, como indivíduos que se reconhecem uns nos outros e que têm valores e objetivos comuns. Agimos como um amontoado de pessoas que calhou de estar em um mesmo território e sob um mesmo governo. Não por opção, mas por falta de opção.
Ocupamos posições em várias facções. Às vezes ao mesmo tempo (o estudante branco, nortista, que usa o transporte público, por exemplo), e às vezes em momentos distintos (o médico que dirige nos fins de semana e pedala aos domingos). Não importa: em cada um desses momentos, nos reconhecemos como membros daquela facção (e às vezes nem isso), mas não reconhecemos os integrantes das demais facções como membros do mesmo grupo. São ‘os outros’. Se estou dentro do carro, odeio os pedestres. Se estou atravessando a rua, odeio os motoristas.
Daí não surpreender que a polícia – e magistratura ou membros do Ministério Público – seja vista (e também se veja) como membros de facções que não se encaixam na sociedade: eles não podem se encaixar naquilo que, na prática, fingimos não existir.
Pior, dento da própria polícia há facções: a civil contra a militar, contra a federal, e assim vai. E dentro delas, outras tantas facções: a maioria honesta contra as minorias desonestas; os oficiais contra os praças; etc.
Na melhor das hipóteses, agimos como se a ‘sociedade brasileira’ fosse uma ideia abstrata, sem consequência prática (exceto no carnaval e copa do mundo). Se sou classe média, vou fazer compras em Miami porque é lá que estão as pessoas com os valores com os quais compartilho. Se sou funqueiro, ouço meu som no máximo porque o direito do outro não existe.
Consequência disso é que nos surpreendemos quando percebemos que o policial é tão humano quanto o mendigo que devolve o dinheiro achado quanto o amigo do outro lado da mesa de bar. Como em qualquer guerra, demonizamos o outro para podermos continuar odiando-o e combatendo-o. Mas tão logo percebemos o quanto ele se parece conosco, nos assustamos com a imagem que havíamos criado.